XI
Às dez horas da noite
No prédio número vinte e seis da "Tai-Ma-Lou", ao bater das dez da noite, Lau-Sin encontrava-se com o homem que ainda na madrugada desse dia pretendera matá-lo.
Astuto era o polícia de modo a não se fiar demasiadamente nas promessas do criminoso e assim, sempre vigilante, tomou com ele lugar numa cama de ópio, no terceiro cubículo da direita, depois de certificar-se de que ninguém estaria próximo, de modo a ouvir qualquer conversa que pudessem ter.
Já de cachimbo preparado, com o ópio devidamente batido, Lau-Sin iniciou a conversa assim:
- Esta noite, por volta das duas da madrugada, tenciono entrar no Templo de Tin Hau para proceder a umas averiguações necessárias. Preciso do teu auxílio para impedir que seja quem for ponha impedimento à minha acção e, assim, virás comigo. Ficas no entanto prevenido de que não usarás de violência para quem quer que seja, a não ser em caso extremo, isto é, em defesa própria. Dou-te adiantadas duzentas patacas e o resto, que tenciono dar-te, ser-te-á entregue, se porventura eu for bem sucedido nas minhas intenções.
- Estou incondicionalmente às tuas ordens e agradeço-te a quantia que me dás - respondeu o chinês. - Não me interessa saber a que vais. És mais inteligente, astucioso e valente do que eu e, servir debaixo das tuas ordens será garantia de bom sucesso. Devo, porém, dizer-te que conheço no Templo de Tin-Hau um bonzo que não é pessoa séria e de quem devemos desconfiar. É ele o bonzo Chan. Conta-se nesta cidade a história do Dragão Perdido, do Templo de Tin-Hau, cujos olhos eram duas pérolas de inestimável valor. Quando o Dragão foi roubado do Templo, um dos olhos, que se desprendeu, ficou na arca onde ele era guardado e, assim, o ladrão levou o tesouro incompleto, existindo presentemente no Templo a pérola que lá ficou e que é uma relíquia pelo seu valor real e espiritual. Dizem, no entanto, na cidade que quem roubou o célebre Dragão foi o conhecido pirata Chau-Seng, auxiliado pelo bonzo Chan, seu cúmplice.
Lau-Sin ficou pensativo por momentos, fumando lentamente e, como que inspirado, lançou esta pergunta ao seu interlocutor:
- Conheces porventura o pirata Chau-Seng? Serias capaz de me levar ao sítio onde ele se encontra, sem que, porém, da sua parte houvesse suspeita de quem eu sou?
- Já trabalhei com Chau-Seng, há anos, e, portanto, conheço-o bem. Sei onde ele se encontra neste momento e, se quiseres, posso levar-te à sua presença. É porém preciso que te disfarces e que encontres um pretexto para procurá-lo, porque Chau-Seng tem trabalhado por vezes no Sul da China e é natural que a sua acção se tenha feito sentir em Macau.
Lau-Sin, levantando-se, disse: - Virás agora comigo à hospedaria, onde procederei ao disfarce conveniente. Levar-me-ás então ao sítio onde se encontra o célebre pirata e deixarás o resto entregue e mim próprio, sem que te esqueças, porém, de que, se me atraiçoas, dar-te-ei o fim que merece um traidor.
E finda esta conversa, os dois homens saíram do fumatório, em direcção à Hospedaria A-Chau.
Francisco de Carvalho e Rêgo. O Caso do Tesouro do Templo de A-Má. Macau, Imprensa Nacional, 1949
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