sábado, 27 de abril de 2013

Momentânea paralisação do comércio em Cantão (3ª parte)




Momentânea paralisação do comércio em Cantão (3ª parte)

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"Os estrangeiros eram, na generalidade, designados pelos chineses por "Hong-mou-kuâi", diabos de cabelos vermelhos, sendo tal designação sido primeiramente aplicada aos holandeses, ou "fán-kuâi" (diabos estrangeiros); os parses, por trazerem o cabelo à escovinha, chamavam-nos "pák-t'au kuâi" (diabos de cabeça branca); aos moiros mó-ló kuâi (diabos mó-ló, corrupção da palavra portuguesa "mouro");  aos portugueses "sai-ieóng kuâi" (diabos do oceano ocidental, pois que assim eram conhecidos desde o século XVI) e aos macaenses "ou-mun kuâi" (diabos de Macau).
Um jurubaça ou língua (intérprete) nativo era, de vez em quando, enviado pelas autoridades chinesas às feitorias para lhes lembrar que estavam ainda em pleno vigor as oito estipulações elaboradas no ano de 1760 para regulamentar a estadia dos estrangeiros em Cantão, as quais foram confirmadas por um édito, em 1819, pelo imperador Hong-Hei, depois de revistas em 1810 (....)"


"Destas restrições, a mais dura de sofrer era a absoluta privação da companhia das mulheres e filhas, chegando alguns, que por motivo dos seus negócios ou de serviço se não podiam ausentar-se de Cantão, a viverem seis ou sete anos sem verem uma mulher europeia. Para obviar esse inconveniente, os chefes das firmas estrangeiras possuíam em Macau apalaçadas residências, onde viviam as suas famílias, para junto das quais regressavam, anualmente, em Abril, demorando-se até Outubro."




"A violação da proibição da permanência duma mulher ocidental na feitoria originou, uma vez, a completa cessação do comércio com os estrangeiros".

"Exercia o cargo de sobrecarga da majestática Companhia Britânica das Índias Orientais, sir William Baynes, homem de muito pundonor e de certa excentricidade que andava irritado com as restrições impostas pelas autoridades chinesas e, como não era permitido aos estrangeiros, fosse qual fosse a sua categoria, andar de cadeirinha, não hesitou em proibir os importantes negociantes dos Hongs de entrarem de cadeirinha na feitoria inglesa."

"Mas já antes resolvera reptar as proibições chinesas hospedando na sua residência, na feitoria britânica, a mulher e a sobrinha de Abiel Abbot Low, que foi presidente da Câmara  do Comércio de Nova York, sendo, então, o chefe da firma Russell & Co., da qual era um dos sócios o seu tio, William H. Low, que chegara de Salem, em Setembro de 1829, no barco "Sumatra" do comando do capitão Roundy."

"O vice-rei de Cantão, ferido na sua dignidade, pelo atrevimento do ousado e arrogante estrangeiro que ousara violar a lei, determinou a imediata expulsão das duas senhoras, mas sir William Baynes, cavalheiresca mas odburantemente, recusou-se a ceder perante tal imposição. Para dar uma lição, o vie-rei ordenou a suspensão total do comércio com os estrangeiros, sem se importar com os tremendos prejuízos económicos que adviriam duma tal medida que privaria inúmeros chineses do seu meio de vida. O capricho de sir William Baynes, capricho muito caro, durou seis meses e originou também não poucos prejuízos para todas as firmas estrangeiras de Cantão."

"Ora a sobrinha de Abiel Abbot Low chamava-se Harriet Low*, que deixou publicado um volume de memórias da sua estadia em Macau, onde viveu, na residência do dono da firma Russell & Co., que a ajuizar-se pela descrição feita pela autora, deveria ter sido uma esplêndida videnda, edificada no Largo da Sé, do outro lado da Travessa de S. João, oposto à catedral."



"Pelo retrato a óleo que Chinnery dela fez, deve ser bem fiel como todos os trabalhos saídos das mãos deste notável pintor inglês, e por alguns excertos do seu livro de memórias que nos foi dado a ler, parece que deveria ter sido uma rapariga muito atraente, pela sua beleza e frescura da sua juventude, atirada às letras, posto que sem grande cultura e quiçá até um tanto presumidazinha, mas encantando com a volubilidade da sua interessante conversa."


Luís Gonzaga Gomes. "Momentânea paralisação do comércio em Cantão". in Páginas da História de Macau. Instituto Internacional de Macau, Setembro de 2010.

Imagens: Rise & Fall of the Canton Trade SystemMIT. Visualizing Cultures.





* Harriet Low (1809-1877) chegou a Macau em Setembro de 1929 onde permaneceu até Novembro de 1833 na companhia da sua tia Abigail Knapp Low, esposa de William Henry Low. Durante a sua estadia em Macau redigiu vários diários e missivas que, posteriormente, em 1900, seriam publicados pela sua filha Catherine Hillard com o título My mother's journal. A young lady's diary of five years spent in Manila, Macao, and the Cape of Good Hope from 1829-1834. Uma segunda versão foi editada em 1953 por uma das suas netas, Elma Loines, com o título The China trade post-bag of the Seth Low family of Salem and New York.
No seu diário relata a visita a Cantão, em Novembro de 1830, "violando, portanto, as leis dos chineses; mas garanto-te que não é possível nenhuma comparação entre os chineses e qualquer outra nação do mundo. Eles não permitem qualquer inovação no "velho costume" e ferroarão estas duas palavras nos teus ouvidos para sempre, se não for do seu interesse violá-las, o que, então, será coisa diferente... Toda agente aconselhou o tio (W.H. Low. chefe da Russell & Co.) a fazer a experiência de levar-nos a Cantão, e eles foram muito astuciosos e sabiam qual o ponto fraco que deveriam ferir - a suspensão do comércio com uma casa... No nosso regresso, Macau pareceu mais encantadora do que nunca (...)". Em Março do ano seguinte recebem ordens do governador de Macau para a abandonarem o território. "Diz ele que não recorrerá à força para nos expulsar, mas, garanto-te, que não é agradável ser ameaçada de mudar de um lugar para outro (...) Ele (o governador) escreveu para Lisboa; mas provavelmente deverão levar três anos para receber a resposta. Julgo que, então, já estaremos preparados para regressar à nossa terra". in Páginas da História de Macau. Instituto Internacional de Macau, Setembro de 2010.



terça-feira, 16 de abril de 2013

Largo do Pagode do Bazar

Maqueta do Largo do Pagode do Bazar no Museu de Macau
"O Largo do Pagode do Bazar ocupou, ao longo do século XIX, um lugar importante na cidade de Macau. Outrora próximo do rio, são visíveis ainda hoje, no Largo, grandes lajes que serviram de cais. Um animado mercado de rua contribuiu para a vida desta área". 

O pagode que deu o nome ao largo é o Hong Chan Kuan Miu, também conhecido por Hong Kung Miu ou Pagode do Bazar, dedicado ao deus guerreiro Hong Kung.

quinta-feira, 11 de abril de 2013

Luís Gonzaga Gomes: "Momentânea paralisação do comércio em Cantão" (2)




Momentânea paralisação do comércio em Cantão (2ª parte)

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" De Whampoa a Cantão ia-se de barco a remos, levando a curta travessia nada mais nada menos que duas horas, pois grande perícia era exigida para se enfiar por entre aquela desordenada multidão de barco".

"Era mesmo na marginal de Cantão entre o subúrbio ocidental e o rio, que estavam situadas as célebres "feitorias" estrangeiras, as quais ocupavam um terreno de 1000 pés de leste a oeste, 300 pés distantes da água do rio, oitenta milhas distantes de Macau, 60 da ilha de Lintin, 40 dos Fortes de Bogue (vocábulo derivado da palavra portuguesa "boca") e 10 do fundeadouro de Whampoa".




"Essas feitorias, treze ao todo, motivo por que eram conhecidas em chinês por "Sâp-Sám Hóng" (Treze Feitorias), nem todas eram estrangeiras e distinguiam-se umas das outras por sonoros nomes. Assim, a dinamarquesa chamava-se Uóng-K'ei (Bandeira Amarela); a espanhola Lui Sông (Luzon); a francesa Kou-Kong (Público Elevado); a do negociante chinês Chungqua, Mán Un (Dez Mil Fontes); a americana Kuóng-Un (Dilatadas Nascentes); a imperial Má-Ieng (Águias Gémeas); a Pou Sôn (Preciosidade e Prosperidade); a sueca Sôi (primeira sílaba de Sôi-Tin, que significa Suécia em chinês); a antiga inglesa Lông-Sôn (Gloriosa Prosperidade); a Chow Chow que significa mista; a Fông T'ai (Enorme Abundância); a nova inglesa Pou-Uó (Harmonia Protegida); a holandesa Tcháp-I (Rectidão Concentrada); e a designada por ingleses por Creek, I-Uó (Justiça e Paz)".




"Cada feitoria era constituída por filas de edifícios de três andares no estilo  colonial europeu. A dinamarquesa dispunha de sete filas, a holandesa de oito e a americana era a que possuía menos. A palavra fila é expressa em chinês pelo som "hóng" daí o referirem-se os ingleses às feitorias pela designação "Foreign Hongs". A existência duma nova e duma velha feitoria inglesa deve-se ao facto de  se terem feito novas construções após o grande incêndio de 1822, que destruiu parte da velha feitoria inglesa e 12 000 prédios, lojas e templos chineses do subúrbio ocidental".
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Luís Gonzaga Gomes. "Momentânea paralisação do comércio em Cantão". in Páginas da História de Macau. Instituto Internacional de Macau, Setembro de 2010.

Imagens: Rise & Fall of the Canton Trade SystemMIT. Visualizing Cultures.

quinta-feira, 4 de abril de 2013

Luís Gonzaga Gomes: Momentânea paralisação do comércio em Cantão (1)





Momentânea paralisação do comércio em Cantão (1ª parte)


"Ocupava Iông-Tcheng, o terceiro imperador da última dinastia, a tártara ou manchu, o trono do grande Império chinês, ou, mais precisamente, corria o ano de 1745, quando o porto de Cantão foi destinado ao comércio estrangeiro. Separada da French Island (Ilha Francesa) por estreito braço do Rio Pérola, surgia a ilhota, pelos estrangeiros conhecida por Dane's Island (Ilha Dinamarquesa), sendo assim denominadas por os traficantes dessas duas nacionalidades terem desfrutado, primitivamente, o privilégio de se estabeleceram nas suas margens e utilizarem os seus armazéns, e onde os mareantes podiam refazer as suas energias grandemente depauperadas por longas e tormentosas viagens".



"Pouco mais adiante, apertada entre a ilha de Ho-Nam e a ilha de Junco ficava a ilha de Uóng Pou (Whampoa), donde se elevava, esguio e hirto, um alto pagode de vários andares. Esta ilhazinha era povoada por uma população duns milhares habitantes, que se entregavam a labores que se relacionavam, directa ou indirectamente, com a navegação estrangeira, pois era ao largo dela que ficava situado o ancoradouro de todos os barcos estrangeiros que entravam em Cantão, significando as palavras Uóng Pou "Fundeadouro Amarelo".





"Este bocado do rio de Pérola, mais conhecido por rio de Cantão, oferecia, por essa altura dos princípios do século XIX, a mais surpreendente imagem dum próspero porto chinês, pois coalhavam-no barcos nativos de mais diversos feitios, incluindo  os enormes juncos de cabotagem de todo o extenso litoral chinês os quais se aventuravam também até aos portos da Celebes, Bornéu, Java, Singapura e Manila, juncos esses que há muito desapareceram para darem lugar às lorchas ou a outros barcos de maior leveza e rapidez".



"Ao longo da fronteira ilha de Ho Nam, ancoravam intermináveis filas de juncos pertencentes aos monopolistas do sal, que traziam não só este precioso e indispensável condimento de T'in-Pák como carga variada de diversas partes da costa sudoeste de Macau, e a meio do rio deslocava-se incessantemente uma fantástica multidão de barcos de carga e de passageiros vindas do interior, de residências flutuantes, barcos de diversões denominados "barcos-flores", sampanas, barbearias, quitandas e cozinhas flutuantes, vendendo a mais prodigiosa variedade de objectos, de peças de vestimenta, de comes e bebes, de medicamentos, enfim, uma estonteante e infinita variedade de artigos de consumo, tudo isso misturado com um ensurdecedor barulho de gente a gritar, de cães a ladrar, de galinhas a cacarejar e do mortificante estralejar de estalos, traduzindo esta caótica balbúrdia uma vida de intensa animação e exótico colorido".
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Luís Gonzaga Gomes. "Momentânea paralisação do comércio em Cantão". in Páginas da História de Macau. Instituto Internacional de Macau, Setembro de 2010.

Imagens: Rise & Fall of the Canton Trade System. MIT. Visualizing Cultures.