quarta-feira, 31 de março de 2010

Lugar da felicidade que permanece para sempre

O Fok Tak Chi na Rua do Almirante Sérgio, em Macau

Segundo o Padre Teixeira*, o templo possui três nomes: Fok Tak Chi ou pagode da Felicidade e da Virtude, Tou Tei Miu ou pagode dos Deuses Locais e Fok Tei Cheong Yeng, ou seja, Lugar da Felicidade que permanece para sempre...
No altar central encontra-se Tou Tei, de longas barbas e sorriso amável, e na mesa junto ao altar várias divindades, entre elas Kun Iam, a Deusa da Misericórdia, e Kuan Tai, o Deus da Guerra.
Fica situado na Rua do Almirante Sérgio, muito perto do santuário da Deusa A-Má.

*P. Manuel Teixeira. Pagodes de Macau. DSEC, >Macau, 1982

terça-feira, 30 de março de 2010

Vésperas do Ano Novo Chinês

Venda de "Soi Sin Fá" em vésperas de novo ano lunar.
Fotografia de José Neves Catela. Museu de Arte de Macau


Percorrendo o Bazar


«Já retomaram as ruas, as lojas, as moradias chinesas, o aspecto exótico e pomposo das grandes festas.
Vésperas do novo ano! Pelo Bazar vai a azáfama que antecipa os dias solenes - as floristas não têm mãos a medir: flores de papel, de seda, de penas multicolores, de nácar, de filigrana. Os confeiteiros cristalizam os saborosos frutos orientais, flores, legumes, e até as raízes e sementes de algumas plantas como o gengibre e o lotus.
Nas montras prendem os nossos olhos as ricas sedas de variegadas cores e complicados arabescos. Os caracteres chineses indicam grandes reduções de preços e em volta dos balcões aglomeram-se as chinesinhas, delgadas silhuetas, de cabaias estreitas e cabelos luzidios. As suas mãozitas delicadas, de dedos afusilados, procuram, de entre as mais brilhantes, a seda de cor alegre, a mais vistosa, para os próximos dias de festa.
(...)
Vésperas do Ano Novo! Até as jóias diminuíram de preço. Soou a hora obrigatória de pagar as dívidas e quem tem dinheiro empatado precisa vender, embora com prejuízo.
(...)
Que lindo presente de ano novo! Em que cabelos negros irá poisar aquela flor tão branca? E já que falo das flores feitas de pérolas, porque não vos levar comigo pela rua das flores verdadeiras, criadas por Deus sob este sol de oiro que as coloriu e desabrochou? Peónias e peónias rosadas, lindas e perfeitas, alinham-se sobre prateleiras em anfiteatro, de um lado e outro da rua, e é uma só mancha cor de rosa, uniforme, a destacar-se do verde cinabre dos vasos de porcelana chinesa. Mais adiante, as árvores anãs, de troncos grossos e rugosos, de folha verde e copada que não excedem e por vezes não atingem três palmos de altura.
Com os seus bugalhinhos de oiro a luzir por entre a folhagem, dispostas em vasos, as tangerineiras pequeninas dão, mais além, uma nota de cor. Um pomar em miniatura para regalo dos nossos olhos! As dálias, os crisântemos formam massiços vermelhos, amarelos, brancos, cor de carne pálida! E os troncos dos pecegueiros? Símbolo do amor, quem não quererá levar para casa uma dessas hastes elegantes onde botões e flores mal entreabertas são leves toques de luz rosada? Mas o que por toda a rua se encontra, numa exuberância encantadora, é a flor do novo ano: «Soi Sin Fá». Traduzida à letra, quer dizer: Fresca flor da água, porque é dentro dela que os seus bolbos rebentam e florescem. De folhas verdes, lanceoladas, corola branca e transparente, de aroma perturbante, tem afinidades com os aromáticos junquilhos da nossa terra. Florindo só nesta época, a superstição chinesa consagra-lhe um grande culto.
(...)
Vai caindo a tarde, nas moradias chinesas acendem-se as grandes lanternas de papel envernizado que baloiçam ao vento, ladeando a porta de entrada. As frontarias brancas reflectem as suas sombras oscilantes. Mas só as casas particulares conservam ainda nas suas fachadas as tradicionais lanternas. A este povo, que tem um culto instintivo pela flor e pela luz, a electricidade deslumbrou-o. De dia, o sol penetrante que obriga a caminhar de pálpebras descidas. Luz esplenderosa em demasia, para nós ocidentais, mas para o qual, Deus, na sua infinita perfeição, criou os olhos oblíquos.
Oculto o sol, por detrás das altas montanhas, a noite cai rapidamente. O crepúsculo que atinge nestas paisagens uma suprema beleza, não permite êxtases. É belo, mas é rápido. Para afastar a noite e os seus pavores o céu enche-se de estrelas e o bairro chinês de luz. Milhões de lâmpadas eléctricas, apinhadas, formando arabescos, flores, aves, caracteres, iluminando as montras, as varandas, brilham num esplendor de apoteose teatral.
(...)
Brilham ainda numa intensidade e atracção diabólica as casas de jogo. O «Fan-Tan»! Quem, vivendo na China, desconhece o sortilégio dêsses dois monossilabos? Felicidade de alguns, desgraça de tantos! Jogo de uma morosidade que impacienta o ocidental, é aquele que mais interessa este povo que nunca tem pressa, que se extasia e pára ante uma flor, um pássaro, um brinquedo, quanto mais perante um monte de sapecas doiradas que lhe pode trazer a fortuna!
(...)
Estamos em vésperas de novo ano e pelas ruas do Bazar alinham-se as mesas do «Clu-Clu». A garotada rodei-as extasiada ante as cores garridas e os números tentadores, e os seus olhitos cintilantes contam de relance as pintas negras dos dados de marfim, enlevo de gente modesta que tenta fortuna com simples moedas de cobre.
(...)
Vésperas de novo ano! Nos interiores das casas ricas vão-se adornando as mesas de sacrifício, com flores e frutos, as mobílias com vistosas colgaduras; nas casas pobres lavam-se as paredes negras do fumo dos pivetes.
Que ao menos uma vez por ano a água ali entre na sua missão purificadora!
Observado de relance o aspecto alegre e bizarro do bairro chinês, em véspera de ano novo, subamos ao alto da Penha, com a sua igreja, bem portuguesa, donde a nossa vista alcança até muito longe... para além das montanhas azuladas.
Nas águas cinzentas do rio vão-se alinhando as lorchas de velas enroladas e mastros hirtos.
Vão-se arrimando ao longo da avenida marginal do porto interior, esperando a hora de se engalanarem, e são tantas, tantas, que em vão as contaria. Para cima de oitocentas, dizem-me, mas lá ao longe há mais velas que se aproximam...»

Maria Ana Acciaioli Tamagnini

"Vésperas do Ano Novo Chinês", da poetisa Maria Ana Acciaioli Tamagnini, foi publicado no Boletim Geral das Colónias Nº 53, Novembro de 1929 (disponível no Portal das Memórias de África e do Oriente)

Altar na Travessa da Ponte


Altar na Travessa da Ponte, junto ao templo de Seak Kam Tong Hang Toi (ou Miradouro de Seak Kam Tong). Macau, Dezembro de 2009

O oratório é dedicado a Tou Tei, o deus da terra, e nele existe uma inscrição que diz Tou Tei da Cabeça da Ponte, o que leva a supor que o altar se situava na extremidade de uma ponte que aí existiu e deu o nome à travessa. O Padre Teixeira afirma que «a ponte foi primeiro de bambu e depois de pedra e ficava entre as Ruas da Pedra e de João de Araújo, correndo sob ela um pequeno rio. O bairro San K'iu (Ponte Nova) tomou o nome dessa ponte»*.

Padre Manuel Teixeira. Pagodes de Macau, DSEC, 1982

segunda-feira, 29 de março de 2010

O templo de Sin Fong




O Templo de Sin Fong. Macau, Junho de 2009

Fica localizado no final da pequena e estreita Travessa de Coelho do Amaral, em Mong Há. Sobre o templo em honra de Sin Fong, "divindade tutelar" recorro ao artigo "A Velha Aldeia de Mong Há Que Eu Conheci"*, de Ana Maria Amaro:
«Este templo (Sin Fong Miu) bem como o Lin Fong Miu, outrora à beira da água e frequentemente inundado, não pertenciam propriamente à povoação de Mong Há, mas sim à chamada povoação marginal de Santi (ou San Tei)».
Deve ter sido fundado no reinado de Tou Kuong (século XIX), segundo uma inscrição «que pode ler-se na placa sonora, peça que deve ter sido doada por ocasião da sua fundação». Apenas esse teng (placa sonora), suspenso no pátio interior, atesta a idade do templo, pois todos os restantes vestígios desapareceram.
«O templo era decorado por cortinados de cretone florido chinês, de pouco mais de uma pataca a jarda, que mãos haviam ornamentado com lantejoulas num contraste gritante, a par dos fán, faixas laudatórias também de pano de algodão. Quanto às estátuas das divindades eram esculpidas em madeira e berrantemente pintadas de novo, o que deixava dúvidas quanto à sua antiguidade»*.

* Ana Maria Amaro. "A Velha Aldeia de Mong Há Que Eu Conheci". RC. Revista de Cultura. Nº 35/36 (II Série), 1998

quinta-feira, 25 de março de 2010

Jules Etier e as primeiras fotografias de Macau


Vue prise de Macao - Jules Alphonse Eugène ITIER - 1844
Daguerréotypie - H. 17 x L. 21 cm - Inv. 90.7683.31


La Grande Pagode de la ville chinoise de Macao - Juillet 1844 - Jules Alphonse Eugène ITIER
Daguerréotypie - H. 17 x L. 21 cm


Fotografias de Jules Itier do Musée Français de la Photographie: "Voyage d'un daguerréotypiste amateur"

«13 août [1844]. L'ancre tombe, nous sommes devant Macao et, à quatre encablures de nous, se balance la frégate la Cléopâtre, montée par le commandant Cécille».
«18 et 19 octobre. J'ai consacré ces deux journées à prendre au daguerréotype les points de vue les plus remarquables de Macao ; les passans se sont prêtés de la meilleure grâce du monde à toutes mes exigences et plusieurs Chinois ont consenti à poser; mais il fallait leur montrer l'intérieur de l'instrument, ainsi que l'objet reflété sur le verre dépoli; c'étaient alors des exclamations de surprise, et des rires qui n'avaient point de terme.»
« 28 octobre. J'ai employé ma journée à prendre au daguerréotype les divers points de vue qu'offrent Macao et ses environs ; les quais de Praja-Grande, la grande pagode, le port intérieur, les rues du Bazar m'ont offert d'intéressants sujets. Aujourd'hui encore j'ai trouvé des Chinois complaisants qui consentaient à former des groupes immobiles , à la condition de voir d'abord l'image reflétée sur le verre dépoli ; leur étonnement n'avait, d'ailleurs, rien de bien profond , c'était plutôt cette vague curiosité qu'éprouvent les enfants à la vue d'un objet nouveau ; c'est qu'il est bien des sujets qui n'étonnent que les savants, que les esprits méditatifs, et les phénomènes du daguerréotype sont dans cette catégorie».
Jules Etier. Journal d'un voyage en Chine en 1843, 1844, 1845, 1846, Volume 1
Jules Alphonse Eugène Itier, geólogo e funcionário da alfândega francesa, nomeado em 1843 chefe da missão comercial na China, Índia e Oceânia, é autor das primeiras fotografias feitas por um ocidental em Macau. Chegou a Macau a 13 de Agosto de 1844 e, como fotógrafo amador, registou a cerimónia de assinatura do tratado sino-francês (Tratado de Whampoa, em 24 de Outubro de 1844) e fotografou a cidade, as ruas do Bazar, a Praia Grande, o Porto Interior, o templo de A-Má.

segunda-feira, 22 de março de 2010

Museu de Macau


Museu de Macau (Março, 2010)

Inaugurado em 1998 e dedicado à história da cidade e das suas gentes, o Museu de Macau encontra-se instalado na Fortaleza do Monte. Contempla múltiplos domínios, da Arqueologia, da História, da Etnografia e das Artes, e o espaço museológico apresenta-se dividido por três pisos - dois ao nível do subsolo e o terceiro acima do nível do terreiro interior da fortaleza - cada qual com o seu conteúdo temático específico. Dois painéis da autoria de Bartolomeu Cid dos Santos ladeiam as escadas de acesso ao Museu.

quinta-feira, 18 de março de 2010

As festas de Tou Tei

Fok Tak Chi ou Templo da Felicidade e da Virtude, na Rua do Almirante Sérgio

Altar no Beco dos Óculos

Tou Tei Miu, no Patane

Altar na Estrada Coelho do Amaral

Ontem, 2º dia do 2º mês lunar, foi dia de festa de Tou Tei e por toda a cidade, nos templos e altares a ele dedicados, realizaram-se as festividades em sua honra.
Tou Tei, o Deus da Terra, do Local ou do Bairro é a divindade protectora dos lugares a quem os devotos pedem felicidade e saúde para toda a família. Protector do lugar e das pessoas que nele habitam, Tou Tei tem ainda a função de conduzir as almas dos defuntos até ao inferno depois de estas terem sido julgadas pelas suas acções praticadas durante a vida.

quarta-feira, 17 de março de 2010

Os piratas no Delta

Existem algumas descrições bastante curiosas dos vapores que faziam a ligação entre Hong Kong e Macau nos anos 20, 30 e mesmo 40, do século passado, das precauções tomadas e da forma como as embarcações eram transformadas para protegerem-se contra os ataques dos piratas. Seleccionámos três: uma de Blasco Ibáñez (anos 20), outra de Jaime do Inso (anos 30) e, por último, Ferreira de Casto (anos 40).

De Vicente Blasco Ibáñez, transcrevemos - da sua obra A Volta ao Mundo (1ª edição de 1924) - parte do relato da sua viagem a Macau:
«(...) O vapor-correio é igual a todos os que navegam no estuário e nos rios próximos; mas, depois do assalto que o meu compatriota presenciou, fizeram-lhe grandes arranjos para defesa. Grades de grossos barrotes, semelhantes às das prisões, dividem-no em várias secções. Um polícia hindustânico, de farda azul, boné branco, carabina e revólver, está de guarda à porta aberta de cada uma dessas divisórias, enquanto se faz o embarque. Quando o vapor começa a navegar, todas as entradas daquelas verdadeiras jaulas se fecham interiormente e as sentinelas ficam por detrás, encostando as carabinas ao cruzamento dos barrotes.
A coberta superior está também cortada por fortes gradeamentos, que impedem a comunicação entre as diversas classes de passageiros e, para evitar que os assaltantes possam passar para o outro lado, deitando o corpo fora da amurada, prolongam-se as grades para fora com semicírculos exteriores de pontas aguçadas como lanças. A ponte onde vai o capitão, está defendida por placas de aço iguais às dos anteparos que protegem os artilheiros nas peças modernas. Deste modo, os tiros dos piratas não podem atingir os que dirigem o barco. Aqueles, porém, que presenciaram o último assalto não mostram grande confiança nestas precauções e pensam que os chineses hão-de inventar qualquer coisa inesperada para vencerem estes obstáculos de defesa (...)».
Em O Caminho do Oriente, Jaime do Inso (1ª edição de 1932), descreve a viagem para Macau a bordo do vapor Sui-Tai:
«(...) Fecharam-se as grades que os separavam do deck superior onde iam os europeus, correram-se as portas com seteiras que defendiam a entrada da ponte do comando, guardada por índios armados, soltaram-se os cabos dos cabeços da ponte do comando e ao bater das oito horas, depois dos apitos do costume, o Sui-Tai deslizou pelas águas límpidas de Hong Kong e enfiou pelo Sulphur Channel, a caminho de Macau.
As precauções das grades isoladoras e das portas fechadas eram tomadas por causa dos piratas.
Este, que desde tempos imemoriais mandam em certas regiões da China como qualquer governo, umas vezes exigem impostos, outras apoderam-se dos navios a navegar.
(...)
Dentro de qualquer destes barcos de carreira poderão viajar, normalmente, dez, vinte, cinquenta europeus ou eurasianos - como dizem os ingleses, isto é, descendentes de europeus e asiáticos - e duzentos, trezentos, quatrocentos chineses dentre os quais, em dado momento, podem surgir uma ou duas dezenas de piratas armados a imporem a sua lei.
Apesar de todas as precauções e da presença dos guardas é raro que eles não levem a melhor pois, quando em luta lhes faltam outros recursos, acabam por lançar fogo ao próprio barco onde vão (...)».
E de Ferreira de Castro, A Volta ao Mundo, obra publicada em 1944:
«(...) De Hong Kong saem para Macau vários navios por dia, numa viagem que exige pouco mais de três horas. As classes destes pequenos barcos apresentam-se separadas, interiormente, por grades de ferro e exteriormente por uma série de espigões em forma de leque, para evitar assaltos de piratas. Tínhamos lido, na Europa, numerosas descrições sobre estas defesas, mas foi necessário virmos aqui para acreditarmos na sua existência, tão inverosímil o caso nos parecia na nossa época. Até há pouco, os piratas tomavam lugar numa das classes, como simples passageiros, e, em momento propício, assaltavam a cabina do comando. Prendiam ou matavam os oficiais e a marinhagem e pilhavam, em seguida, quanto valor o navio conduzia, desde as sacas do correio às bagagens e jóias dos passageiros. Outras vezes, instalados em juncos, disparavam, com um pequeno canhão, sobre o barco, obrigando-o a deter-se, e logo o abordavam para um assalto que não deixava a bordo coisa alguma que fosse transportável. Ora essa pirataria não acabou ainda: exerce-se, de vez em quando, em façanhas iguais às de outrora, de juncos contra juncos ou contra lanchas e demais pequenas embarcações. Mas nestes navios de Macau, armados e alguns até blindados, ela só será possível por avaria das hélices ou outro acidente casual, pois a bordo está tudo vigilante e os chineses duma classe têm de olhar para as outras como um preso para a liberdade - através de grades... (...)».

terça-feira, 16 de março de 2010

Travessa do Auto Novo

Travessa do Auto Novo. Macau, Março de 2010

Travessa do Auto Novo: começa em frente à Travessa do Matadouro, entre a Rua da Caldeira e a Rua da Felicidade e termina na Travessa das Virtudes. Quanto à sua designação, lemos na Toponímia de Macau que «foi-lhe dado este nome por se representarem ali os autos chinas.» E mais, «em chinês chama-se Ch'eng P'eng Hong, ou Ch'eng Sán Kai ou Ch'eng P'eng Chek Kai; tem este nome por lá existir o Cineteatro Ch'eng P'eng, que é o prédio nº 23 dessa Travessa, construído um pouco antes de 1907»(1).

A propósito do Auto China, escreveu Jaime do Inso:
«Uma das curiosidades deste teatro está em que, ao contrário do que entre nós sucede - sempre a contradição - não se procura dar às fachadas das casas de espectáculo qualquer aspecto sumptuoso ou de embelezamento, porque, dizem eles, tudo quanto haja de gastar-se com o teatro, preferível que seja em benefício da arte, puramente teatral, do que na arquitectura exterior. O contrário seria puro esbanjamento.
Por isso, em vão se buscaria, no Bazar, o atractivo externo que nos oferecem os nossos teatros. Não, o Auto China - nome por que ficou conhecido o teatro chinês em Macau, como resto da nossa língua de antanho - fica escondido numa travessa e é revestido por um muro de tijolo cinzento, anónimo, fazendo lembrar a entrada duma estalagem»(2).

(1) P. Manuel Teixeira. Toponímia de Macau, Volume 1, ICM, 1997, p.493
(2) Jaime do Inso. Cenas da Vida de Macau. 2ª edição. ICM, 1997, p. 45

segunda-feira, 15 de março de 2010

Travessa do Mastro

Macau: Travessa do Mastro (fotografia: Março de 2010)

Travessa do Mastro: paralela à Travessa do Matadouro, começa na Rua da Felicidade e termina na Avenida Almeida Ribeiro (Sam Má Lou). No início da travessa, no cruzamento com a Rua da Felicidade, fica o restaurante Fat Siu Lau, fundado em 1903. Foi seu fundador Wong Man Sing e o primeiro estabelecimento que abriu situava-se na Travessa do Matadouro. Actualmente, existem mais dois estabelecimentos, o Fat Siu Lau 2, junto à estátua da Deusa Kum Iam (na Avenida do Dr. Sun Yat Sen) e Fat Siu Lau 3, na Taipa (na Rua do Regedor).

quinta-feira, 11 de março de 2010

Travessa do Matadouro

Macau: Travessa do Matadouro (fotografia: Agosto de 2009)

A Travessa do Matadouro começa entre as ruas da Felicidade e da Caldeira e vai terminar na Sam Ma Lou. Aqui encontram-se, tal como nas vizinhas Rua da Felicidade e nas travessas do Auto Novo e do Mastro, alguns estabelecimentos de restauração e as pastelarias Koi Kei e Choi Hong Yuen.

sexta-feira, 5 de março de 2010

Os piratas em Coloane


Com grutas e furnas nos montes e nas falésias, a ilha de Coloane - ou Ko-Lo-Wan, que significa Baía da Passagem - foi refúgio e esconderijo de piratas.

Na vila, no largo fronteiro à pequena igreja de S. Francisco de Xavier, encontra-se um monumento com a seguinte inscrição: "Combates de Coloane. 12 e 13 de Julho de 1910". A toponímia de Coloane também recorda os piratas numa pequena via designada "Azinhaga dos Piratas".

Tudo começou com o rapto de 18 crianças de um colégio, e do respectivo cozinheiro, de uma povoação chinesa, Tong Hang, localizada a poucas dezenas de quilómetros de Macau, por piratas que se alojavam nas falésias e furnas perto da praia de Hac Sá. Os piratas mantinham as crianças, mais o cozinheiro, encarceradas em casas da vila de Coloane, enquanto aguardavam o resgate. Três meses após o rapto, uma queixa apresentada às autoridades portuguesas por um advogado macaense, a quem o pai de uma das crianças mantidas como refém recorreu, veio desencadear os combates de 12 e 13 de Julho.
Na manhã de 12, dois pelotões de infantaria desembarcavam em Coloane, que nessa época apenas era acessível por via marítima (o aterro, designado por "istmo", a ligar as ilhas da Taipa e Coloane, só seria construído na década de 60 e inaugurado em 1968). Desembarcada a tropa, e após um reconhecimento à vila, nem um pirata, nem um único refém foi encontrado. Começaram as buscas pelas montanhas, mas mal as tropas se aproximavam de um esconderijo eram recebidas a tiro. Desta primeira investida resultou um morto, um cabo português. Regressaram as tropas a Macau e informaram o governador e o comandante militar da situação e da presença, nas águas de Coloane, de uma pequena frota comandada pelo coronel Wu, que se receava, que a pretexto dos piratas, procurasse ocupar a ilha de Coloane. Seguiram, então, mais forças de infantaria e artilharia, apoiadas pela canhoneira Macau. Mas os piratas, bem armados e estrategicamente posicionados, quer nas montanhas, quer em ruelas da vila, impediam o avanço das tropas portuguesas. Apontando sobre a vila, a canhoneira Macau desencadeia o bombardeamento, que durou algumas horas, destruindo a maior parte das habitações e afundando várias embarcações de juncos e sampanas. Desembarcadas mais tropas, os combates continuaram pelos dias seguintes - e não apenas nos dias 12 e 13, como assinala o monumento -, recebendo reforços no dia 14, com a canhoneira Pátria, e no dia 17, de mais 150 fuzileiros, transportados pelo cruzador D. Amélia, que entretanto chegara a Macau.
A 20, e após um intenso bombardeamento, a tropas portuguesas avançaram pelo interior da ilha onde encontraram, pelas montanhas, muitos cadáveres, armas e munições abandonadas. Fizeram vários prisioneiros, mas os reféns continuavam por libertar. Foi graças à intervenção de um outro refém, um criado de café de Hong Kong, que havia sido capturado, há vários meses, pelos piratas e que, entretanto, conseguira escapar, que as autoridades portuguesas souberam da existência de grutas dissimuladas nas falésias a leste da praia de Hac-Sá. No interior dessas grutas os piratas mantinham os reféns na esperança que a situação voltasse ao normal para completarem o negócio. Na manhã seguinte, alguns soldados, agindo por si sós e ignorando as ordens superiores, desencadearam um ataque de surpresa, descendo pelas falésias escorregadias. Numa descrição dos acontecimentos, publicada à data, conta-se «que nem um tiro se trocou entre eles e os piratas, e os nossos camaradas, não podendo já lançar mão aos restantes - que os devia ainda haver muitos - porque lhes desapareceram naquele verdadeiro labirinto de cavernas, saíram ilesos, mas completamente enfarruscados, uns sem chapéu e outros sem sapatos». Terminavam, assim, os combates de Coloane, com as crianças libertadas e 14 piratas capturados.

Os piratas eram, de um modo geral, bem acolhidos pela população de Coloane, que sabiam quem eram e lhes davam asilo, como afirmava o governador Álvaro de Melo Machado (1910-1912): «a população acolhia com benevolência estes malfeitores pelo dinheiro que generosamente gastavam; e as próprias autoridades portuguesas, que de sobejo sabiam da existência desta gente, toleravam-na, nunca fazendo diligências para a escorraçar». Por sua vez, afirma o Padre Teixeira que os piratas «foram-se ali infiltrando no decorrer dos anos: aqui montavam uma mercearia, além uma loja de peixe; uns trabalhavam nas pedreiras, outros entregavam-se à agricultura; por isso tinham de ter casas para as suas famílias. É de crer que os seus vizinhos soubessem que espécie de gente eram eles, mas não os denunciavam por duas razões: eles não os incomodavam, pois a quadrilha fazia as suas operações em terra chinesa e para ali traziam os seus roubos e as suas armas» (in: Os Piratas em Coloane: p. 5).


João Guedes. «Piratas no Delta: A Batalha de Coloane».
Macau, II Série, nº 19, Novembro de 1993
Luís Ortet. «Coloane: a memória dos piratas». Nam Van, nº 11, Janeiro de 1985 (in Projecto Memória Macaense)
P. Manuel Teixeira.
Taipa e Coloane. Direcção dos Serviços de Educação e Cultura. Macau, 1981
P. Manuel Teixeira. Toponímia de Macau. Vol. II. ICM, 1997
P. Manuel Teixeira. Os piratas em Coloane em 1910. Macau. Centro de Informação e Turismo, 1977

quarta-feira, 3 de março de 2010

Fortaleza do Monte

Fortaleza do Monte (Maio de 2008)

Fica situada na Colina do Monte e foi residência dos Capitães Gerais ou Governadores até meados do século XVIII. A sua construção deve-se aos jesuítas, iniciada por volta de 1617 e concluída em 1626 pelo Capitão Geral D. Francisco de Mascarenhas. Era a principal estrutura militar e desempenhou um papel importante na defesa da cidade, sobretudo quando da invasão dos holandeses, em 1622.
Nela estiveram instalados os Serviços de Meteorologia e Geofísica e, actualmente, alberga o Museu de Macau (inaugurado em Abril de 1998).

O Centro Histórico de Macau
Rede do Património Cultural: Fortaleza do Monte

terça-feira, 2 de março de 2010

Pitoresca mistura de edifícios chineses e casarões portugueses

Fotografia publicada na Illustração Portugueza de 14 de Dezembo de 1908

«(...) vamos conhecendo a cidade, pitoresca mistura de edifícios chineses e casarões portugueses do século XVII. Uma frontaria de pedra é a única coisa que resta da antiga catedral de S. Paulo e do convento anexo, fundado pelos jesuítas para repouso e preparação dos seus missionários, antes de partirem para o interior da China. Este templo ardeu em 1835, mas a sua enorme fachada mantém-se de pé, com a pedra avermelhada mais pelo sol que pelas chamas, e, através das suas janelas rasgadas, vê-se o muro azul do céu, que parece servir-lhe de amparo.
O castelo [fortaleza do Monte] conserva vestígios do ataque dos holandeses no século XVII. Vemos na capela uma lousa sem nomes, que cobre os restos dos defensores de Macau. Como o doutor Rodrigues [Governador Rodrigo Rodrigues, 1923-25] diz, o culto pelo soldado desconhecido criado pela última guerra inventaram-no os defensores de Macau há mais de duzentos anos.
(...)
Na nossa frente, pela parte do istmo, ergue-se uma cordilheira que ocupa grande parte do horizonte, as montanhas do Cataio. Rodrigues e eu lembramo-nos de Marco Paulo. O nome de Cataio foi aplicado pelo célebre viajante a toda a China, e, durante séculos, o mundo cristão deu o nome de umas montanhas do sul a todo o vasto Império governado pelo Gran Can.
A nossos pés estende a cidade a massa apertada dos seus telhados, escuros como os da Europa. De espaços a espaços sobressaem entre eles telhados chineses e remates de pagodes budistas. Muitas frontarias estão pintadas de rosa ou azul, cores suaves que dão alegre aspecto de novas às construções vetustas. (...)»
Vicente Blasco Ibáñez. A Volta ao Mundo. Volume II. Livraria Peninsular Editora, 2ª edição Lisboa, 1944