sexta-feira, 16 de fevereiro de 2007

Chou Kuan, o deus do fogão

Dizia Wenceslau de Moraes: «os deuses, com quem por assim dizer vivo em contacto, e a cuja sublime protecção, posto que indirectamente, me confio, são muitos, um enxame. É todo o Olimpo budista e o inteiro mito primitivo, amalgamados em crendices (...)». A iconografia religiosa chinesa é bastante variada, são muitos os deuses e os entes divinizados, são os velhos de barbas brancas e de ar bonacheirão, outros de barbas pretas e de aspecto assustador, são as fénixs e os dragões, os leões, os veados ou as tartarugas, são as flores de lótus, os crisântemos ou as tangerinas, enfim, um não acabar de imagens ligadas às crenças populares. Um mundo de crenças assente na presunção de que os deuses são acessíveis, mas também falíveis, e que o seu apoio se obtém através de acções meritórias ou de oferendas materiais – ou seja, se os humanos estão sujeitos à vontade dos deuses, porém, os deuses podem, por sua vez, serem induzidos ou convencidos a alterar os seus apoios. Igualmente presença constante nas crenças chinesas são os espíritos malignos, as almas penadas, sendo, pois, necessário evitar os malefícios desses espíritos errantes; daí a presença de toda a espécie de talismãs, os espelhos, as espadas, os guardiões das portas, as figuras de tigres ou dos caça-diabos. Mas, não basta evitar os malefícios destes espíritos errantes; é também necessário atrair benefícios, rodeando-se de imagens de deuses benfazejos, nas casas, nas lojas, nos bairros, nas ruas...

O deus da cozinha ou do fogão é uma espécie de patrono dos lares. Chou Kuan, assim se chama, tem por função relatar ao Soberano Celeste e autoridades celestiais o comportamento da família, enumerando as suas boas e más acções, ritual que é cumprido uma vez por ano, por ocasião do novo ano lunar. Ora, os chineses - que de forma prática e eficaz, se rodeiam de guardiões e de deuses protectores, e que procuram conquistar benefícios dos deuses, através de oferendas -, recorrem, por vezes, à astúcia e a subtilezas a fim de causarem boa impressão junto às tais autoridades celestiais. Para isso, antes da partida do deus do fogão para a sua viagem aos Céus, aqueles que, por razões menos meritórias prefiram que o deus se cale, besuntam-lhe a boca com mel ou outro doce, ou seja, adoçam-lhe a boca; outros, colam-lhe os lábios, impedindo assim qualquer tipo de relato... Na véspera da partida do deus – 23º dia do 12º mês lunar -, as famílias queimam a imagem do deus do fogão e este começa então a sua viagem, servindo-se do fumo para chegar aos céus. Sete dias depois regressa, colocando-se no altar nova imagem de Chou Kuan.

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