quarta-feira, 5 de março de 2008

Com(templo) daqui

Macau, 2008

COM (TEMPLO) DAQUI

Templo-incenso de onde nascem todos os perfumes
Pai e mãe nesta terra esquisita de cheiros
e jogos perfumados às vezes com sorte

O vermelho-constante
A vida O sangue A alegria
que aqui é fartura em profusão de cores

Dourado em tudo

(Pobres dos jesuítas...
que não puderam fazer com o mesmo brilho
o seu espectáculo em ouro de brasis)

O escuro do fumo
que tudo envolve
entre pivetes Velas Papéis que ardem
levando em falsos dinheiros
o sossego para o outro mundo
sem crises cambiais
ou de qualquer bolsa
que transformam vivos
em almas penadas

Gentes
Gentios circulando em magotes
atropelando-se em vénias
perante budas inertes
no estático sorriso
da eterna felicidade

Salamaleques chins apivetados
joelhos curvados em paus de sortes
rodopiando da tartaruga futurista
para o chão sujo de sorte e azar
A recordação dos que se foram
em photomaton
A grande muralha em troféus-amor
de papel-saudade

E o fumo subindo no ar
pesado
transporta os pagamentos
de dívidas
lembranças
desejos

Mas afinal tudo é simples
e como noutros mundos
os conflitos resolvem-se
na gestão dos banquetes

O leitão brilha
escorrendo ouro em mel
entre os pivetes que o transportam
nos fumos para o além

E estes budas, meus senhores,
têm digestões eternas

Fernando Sales Lopes. Pescador de Margem. Livros do Oriente, 1997

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