«(...) Mas a verdadeira consagração do lugar, a que fala religiosamente ao coração de todo o português, que invade as tortuosas veredas do jardim, escusava dizê-lo, não está no busto de bronze, nem nos festões floridos, nem nos maus sonetos louvaminheiros; (...) não está nos vasos chineses com begónias ou gerânios, ou com arbustosinhos cortados à tesoura segundo a fantasia indígena.
(...)
O que se impõe ao nosso espírito, é a grandeza desta mesma vegetação rude e espontânea, que espadana cheia de seiva zombando da tesoura dos serviçais; é a face limosa das pedras abruptas, chorando pelas fendas pequenas gotas de água, como lágrimas de saudade; é a solidão das áleas sombreadas, que o acesso pedregoso torna pouco apetecíveis aos passeantes; é o encanto dos seus panoramas.
(...)
Se alongarmos depois o passeio, embrenhado-nos sempre por entre as matas sussurrantes, onde reina uma meia luz esverdeada, chegamos ao limite natural do jardim, o despenhadeiro quase a pique nas rochas, em parte mascaradas pelas moitas das mimosas e pelas ramadas das trepadeiras. Alarga-se então o horizonte. Vê-se em baixo a cidade, a amálgama prodigiosa das negras casas chinas, a linha serpeada das vielas; e chega-nos confuso o som de mil pregões dos bazares, o papear insólito dos garotos, o ruído dos tantãs e foguetes festivos. Vê-se o leito lodoso do porto interior, juncado de lorchas de comércio oferecendo à brisa as suas grandes velas de esteira; centenas de pequenos tankás navegam em todas as direcções; amarram, junto à barra, as canhoneiras de guerra; e à direita, do lado oposto, destaca-se viçosa uma ilhota, a ilha Verde, onde agora fumaça a alta chaminé de uma fábrica de tijolos. (...)» Wenceslau de Moraes. «A Gruta de Camões», in Traços do Extremo Oriente (1890).
É, a par do Jardim de S. Francisco e do jardim interior do Leal Senado, um dos mais antigos jardins de Macau. Situado na colina de Patane, então nos limites da cidade, o local ocupado pelo jardim era propriedade do conselheiro Manuel Pereira, e nele foi construída, em 1770, a residência do conselheiro (a Casa da Gruta de Camões ou Casa Garden) que, posteriormente, foi alugada à Companhia das Índias Orientais. «Assim, foram os ingleses que, ao gosto romântico da época, criaram, sob cerrado arvoredo, estreitas alamedas seguindo a orografia do terreno, para o que mandaram, inclusivamente, vir jardineiros de Inglaterra»(A. Estácio e A. Paula Saraiva, Jardins e Parques de Macau) e a eles se devem os numerosos exemplares da flora - da China, da Índia, da Malásia e da Indonésia - reunidos no jardim.
Após a extinção da Companhia das Índias Orientais, em 1833, a propriedade voltou a ser administrada pela família do conselheiro Manuel Pereira e foi o seu genro, o comendador Lourenço Marques, que em 1840 mandou colocar o busto do poeta Luís de Camões, da autoria do escultor português Manuel Maria Bordalo Pinheiro. «A Gruta foi em 1886 limpa de todos os "melhoramentos" de Lourenço Marque - o minarete coberto com o telhado chinês, o pórtico de alvenaria com as canelas de madeira, o reboco dos penedos, enfim todas as excrescências». (P. Manuel Teixeira. Toponímia de Macau, vol1, p.213)
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