segunda-feira, 19 de abril de 2010

O Templo de Lin Kai

Templo de Lin Kai, na Travessa da Corda. (Dezembro, 2009)

«Lá para os lados de Sân K'iu (Ponte Nova)encontra-se um edifício que, por ser composto de três corpos, se destaca do restante casario de acanhado aspecto que forma este bairro, quase totalmente habitado por artífices que se dedicam ao exercício de variados misteres.
O referido edifício - o Templo de Lin-K'âi - é de traça bastante comezinha e, a não ser um ou outro insignificante pormenor, não possui qualquer beleza arquitectónica nem decorativa, digna de nota.
(...)
Posto que este templo se chame de Lin-K'âi não é, no entanto, dedicado a essa divindade - como seria lícito inferir-se - pelo mero facto de não existir nenhuma com tal nome no hagiológio chinês. A divindade a quem foi consagrado este templo é Pâk-Tái, mas o povo tomou o hábito de lhe chamar Lin-K'âi por ser este o nome dum diminuto ramo do delta, o qual figura nas velhas cartas topográficas de Macau com a designação de Canal de Sân-K'iu, significando "Regato de Lóto", sendo este último termo derivado do facto desta cidade ser, em geomância nativa, comparada a uma folha da mística planta. O pequeno curso de água em questão infiltrava-se por aquele bairro, na altura em que se encontra o arruinado cinema de Sân-K'iu, sinuosava caprichosamente, passando em frente do templo Seàk-Kâm-Tóng, e seguia para o sítio onde é hoje a Rua da Barca, depois de alagar todo o terreno actualmente atravessado pela Rua da Alegria.
Ora era exactamente o local em frente deste templo que numerosas embarcações escolhiam para seu ancoradouro, sendo este o motivo por que uma das principais ruas desse bairro se chama ainda Rua das Barcas.
Um dia, foi visto a boiar à tona da água um boneco. Os marítimos, estranhando tal aparecimento, atribuíram ao boneco uma origem sobrenatural e, receosos, trataram de "bater cabeça" e acender pivetes, a fim de ver se conseguiam convencer o boneco a afastar-se daquele local. O boneco insistia, porém, em aparecer todas as tardes com a preia-mar e sempre no mesmo sítio. Houve, então, um marítimo menos supersticioso que ousou retirar o boneco da água para o examinar e, assim, todos puderam verificar que ele representava a imagem de um indivíduo extremamente calvo, de longas barbas e com os pés descalços, condizendo em tudo com a conhecida figura do deus Pâk-Tái.
Resolveram, portanto, os mareantes quotizarem-se entre si para edificar uma capelazinha, com o fim de prestar culto a essa divindade que, por lhes ter aparecido tão espontaneamente, decerto lhes deveria proporcionar muitas venturas. Porém, no dia das encénias, instalaram, por equívoco, no altar, a estatueta do deus Uá-Kuóng em vez da de Pâk-Tái e, para não melindrar nem um nem outro, tiveram de construir mais um altar a fim de se poder venerar ambos os deuses». Luís Gonzaga Gomes. Lendas Chinesas de Macau. Notícias de Macau, 1951

Para além das divindades acima referidas por Gonzaga Gomes, o templo é ainda dedicado a Kum Iam, a Deusa da Misericórdia, a Choi Bak, o Deus da Riqueza, a Kuan Tai, o Deus da Guerra e das Riquezas, e aos Tai Soi ou Deuses do Ano. Construído em 1830 e ampliado entre 1875 e 1908, o Templo de Lin Kai está classificado Património Cultural.
Gonzaga Gomes conta ainda uma outra lenda associada ao templo e ao deus Pak Tai. Há muitos anos, três crianças brincavam no templo quando viram, junto ao altar, a figura de um homem calvo e de longas barbas, vestindo uma túnica comprida, mas de pés descalços. Tinha junto de si um cágado e uma cobra. Alertados pelas crianças, correram ao templo os moradores do bairro para conhecerem em pessoa tão ilustre visitante, mas quando lá chegaram já Pak Tai se tinha retirado. Contudo, deixou-lhes o cágado e a cobra, que no templo ficaram a viver até ao dia em que foram levados por uma grande cheia.

Rede do Património Cultural de Macau: Templo de Lin Kai

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