terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

A ilha da Taipa - por Raquel Soeiro de Brito



Fábrica de Panchões Yick Loong, Taipa. Década de 1960 
Fotografia de Ou Ping 
in Uma viagem no Tempo. Fotografias de Macau por Ou Ping". IACM, 2007


A ilha da Taipa
"Com seus 3,5 km2 e 4600 habitantes (1960) (fig. 9), Taipa tem uma densidade de população de 1315 h/km2; mas este número aumenta consideravelmente se for calculado em relação à superfície cultivável (área de 40 ha, em 1960): 11 500 h/km2.
Facilmente se compreende que nem as técnicas minuciosas, que os Chineses dominam como ninguém, tal população pode ter como base a agricultura. De facto, assim sucede: parte da população dedica-se à pesca, seguindo as técnicas já apontadas para as outras parcelas do território de Macau.
Contudo, não é nenhum destes modos de vida o principal na ilha, mas a indústria dos panchões, isto é, "canudos" de papel enrolados, cheios de pólvora e que, atados uns aos outros em longas "bichas", são queimados, com muito estrondo, em todas as festas. São as dependências isoladas das pequenas fábricas, a trepar pelas encostas nuas de SE, que se vêem do mar; é o emprego que as sete fábricas, hoje em laboração, proporcionam a mais de metade da população da ilha. Mas é também a ocupação, como indústria caseira, de todos os minutos livres, entre saídas para a pesca, os labores nas hortas, nos pequenos intervalos do trabalho doméstico; é principalmente o trabalho moroso e quase incerto dos meninos que dão a medida da importância deste ganha-pão. Se já na cidade esta actividade, aí secundária, é importante, aqui é-o muito mais, mesmo primordial. Nas fábricas só se efectuam os trabalhos perigosos ou de acabamento; todas as fases preliminares de execução dos "canudos" e seu envolvimento em papel colorido são feitos em casa ou, mais concretamente, à porta e no meio das ruas; e quantas vezes os olhos ficam pregados nos deditos dos garotos, mais pequenos do que o comprimento dos "canudos"... Quando os proventos familiares são escassos - e é o caso em toda esta região - há que recorrer a todas as possibilidades de ajuda.

Fabrico de Panchões, Taipa.  Década de 1960. 
Fotografia de Ou Ping 
in Uma viagem no Tempo. Fotografias de Macau por Ou Ping". IACM, 2007

As unidades fabris são compostas por grande número de barracões de cimento (pela maior parte), independentes, onde se procede ao enchimento dos canudos com pólvora, encaixotamento e armazenagem. Algumas operações são feitas ao ar livre, por grupos alegres de raparigas que, como em qualquer parte do mundo, aproveitam a mínima oportunidade para chacotearem umas com as outras.
As operações mais perigosas são as de confecção e transporte da pólvora (serviço só feito por homens) e do enchimento dos canudos; este processa-se quase às escuras, apenas participando em cada barraca três ou quatro mulheres.
Na eventualidade das explosões - que infelizmente são frequentes - existem em cada fábrica um ou mais tanques de água, sempre muito próximos dos barracões onde se manuseia a pólvora. Por vezes a violência das explosões é tal que rapidamente o fogo se propaga a vários edifícios; e infelizmente muitas são as ocasiões em que há vítimas a lamentar.
Por esta actividade tão importante na ilha, Taipa faz bem figura de "terra industrial", pelo menos ao lado da vizinha Coloane".
Raquel Soeiro de Brito. "Achegas para a Geografia de Macau". Revista da Junta de Investigação do Ultramar, nº 81 (Colóquios sobre as províncias do Oriente. Volume 2), 1968.

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