terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

José dos Santos Ferreira (Adé)

Estátua de José dos Santos Ferreira (Adé), da autoria de Carlos Marreiros, no Jardim das Artes. O monumento foi inaugurado a 5 de Outubro de 1999.



José Inocêncio dos Santos Ferreira (Macau, 1919 - Hong Kong 1993), mais conhecido por Adé, foi o grande poeta popular de Macau e o defensor do "dóci papiaçâm di Macau".

O pai, Francisco dos Santos Ferreira, natural de Seia, que veio para Macau como militar, morreu tinha Adé apenas 5 anos. Era o mais novo dos 18 filhos de Florentina Maria, natural de Macau, viúva quando casou com Francisco Ferreira. As dificuldades económicas da família obrigaram Adé a interromper os estudos após o 5º ano do Liceu. Trabalhou nas Obras Públicas, nos serviços de Saúde e, em 1956, passou a Chefe de Secretaria do Liceu de Macau. Aqui, "iniciou uma empenhada acção em prol dos estudantes mais desfavorecidos, que praticaria toda a sua vida"(1).

"Dotado de espírito solidário e sendo um incansável lutador, José dos Santos Ferreira não deixou de se associar às instituições tradicionalmente macaenses, tendo integrado, entre outras, a Mesa Directora da Santa Casa da Misericórdia e a Direcção do Clube de Macau, mas foi sobretudo ao nível desportivo que mais entusiástico contributo deu às associações locais" (2). Neste âmbito, foi um dos fundadores do Hóquei Clube de Macau e da Associação de Futebol de Macau. Foi, ainda, presidente da direcção do Clube de Ténis Civil e esteve igualmente ligado ao karate-do e ao tiro, tendo recebido, em 1983, a medalha de mérito desportivo do Governador de Macau.

Colaborou na revista Renascimento, em vários periódicos desportivos e no jornal infantil Tio Tareco. Trabalhou em diversos jornais, nomeadamente O Clarim, a Gazeta Macaense, a Comunidade e o Notícias de Macau.

Em 1968 publicou Macau Sã Assi, o seu primeiro livro em patoá. Macau Sã Assi marca "o início de um labor que originará mais de vinte títulos, na sua quase totalidade em patois (...) e uma vasta colaboração em programas radiofónicos e televisivos. Mas, terá sido principalmente no palco, no desempenho das inúmeras peças, récitas, comédias e representações, que escreveu, encenou e organizou, que José dos Santos Ferreira mais terá contribuído para manter vivo na memória dos seus conterrâneos esse crioulo então já praticamente extinto"(3).

Em 1960, a convite da S.A.S. deslocou-se à Suécia. As crónicas dessa viagem encontram-se reunidas no seu livro - o primeiro que publicou, em 1961 - Escandinávia. Região de Encantos Mil. Da sua vasta obra em dialecto macaense destacam-se, para além de Macau Sã Assi (1968), Papia Cristám di Macau. Epítome de Gramática Comparada (1978), Camões, Grándi na Naçám (1982), Poéma di Macau (1983) e  Macau di Tempo Antigo (1985).  A História de Maria e Alferes João, publicada em 1987, é a versão portuguesa da Estória di Maria co Alféris Juám, publicada em 1985, em dialecto macaense, no livro Macau Di Tempo Antigo (poesia e prosa).

"O trabalho de Adé foi simplesmente fabuloso, há que dizê-lo e que reconhecê-lo. Ajudou a dar solidez a esse linguajar nebuloso e sincrético, não só só com a utensilhagem conceptual que criou, a gramática e o vocabulário, por exemplo, mas sobretudo com a criação literária e com a revisitação evocativa dos ambientes familiares e dos mitos urbanos (...) Reviver é reinventar a língua, com o sangue novo a circular nas velhas artérias da memória, irrigando um passado que assim se faz presente" (4). Na apresentação do seu livro  Macau Di Tempo Antigo, Adé realça que "a dóci língu di Macau di tempo  antigo é também obra de Portugal", criação dos descendentes dos primeiros portugueses, que "revela não apenas o poder de criação e de assimilação dos nossos maiores, como ainda os bons sentimentos, a índole, o espírito cordial e feitio bonachão dum povo inconfundível. São predicados que identificam o dialecto com a alma macaense"(5). A sua obra, em poesia ou prosa, fala-nos sobretudo de Macau e das suas gentes, sem contudo deixar de estabelecer uma forte ligação entre as culturas portuguesa e macaense. Ou não fosse Macau: "Tera di fé qui têm coraçám, / Tem alma, inchido di beléza, / Sã Macau! Nôsso bérço cristám, / Di Portugal chistosa princésa"(6).



Fontes:
(1), (2) e (3). Maria Teresa Sena "Ferreira, José Inocêncio dos Santos". Dicionário Temático de Macau,  Volume II. Universidade de Macau, 2011.
(4) António Aresta. "José dos Santos Ferreira". Tribuna de Macau de 17 de Fevereiro de 2011
(5) e (6) José dos Santos Ferreira. Macau Di Tempo Antigo. Edição do Autor, 1985

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