segunda-feira, 20 de agosto de 2012

"Macau" de Antoine Volodine















MACAU
Antoine Volodine
Olivier Aubert (fotografias)
Traduzido do francés por Ana Isabel Sardinha Desvignes
Sextante Editora. Junho de 2012




"Para acender novo cigarro o velho servira-se da beata anterior. Eu tinha mais do que tempo e ocasião de lhe observar a cabeça que resistia ao cerco da penumbra, uma cabeça que as vicissitudes da existência haviam sulcado e enobrecido e que, a pouco e pouco, se transformara em máscara como as que usam os campónios e os pés descalços deste lado do mundo. Se o velho tivesse sido fotografado, poderia ter servido de capa a um daqueles catálogos consagrados aos anónimos da região do Guandong, camponeses, operários e pescadores, daquele género de livros com retratos de pobres em papel glacé que os turistas folheiam sem comprar." (p. 12) 
"Quando se vem de Hong Kong, é por mar que chegamos, embriagados com as nossas próprias emoções diante da paisagem, diante de uma experiência de pura beleza, de esplendor simples, acabados de deslizar durante uma hora por entre ilhotas desabitadas e uma costa que parece deserta, inundada de luz, calva, desprovida de árvores; chegamos por mar, mal tocando uma superfície de um verde de jade escuro onde nada ondula, onde traineiras, cruzadas aqui e ali, arvoram bandeiras vermelhas e se baloiçam como juncos." (p. 22) 

"Para nos mantermos apaixonados por aquele sítio, fidelidade, voluntária cegueira eram precisas!... Eu tinha-o descoberto dez anos antes, ainda sob forma de burgo colonial imobilizado nos anos quarenta e, a seguir, vira-o metamorfosear-se velozmente  em medonho subúrbio, graças a arquitectos medíocres que de todas as maneiras e feitios lhe tinham arrancado a velha alma secular, a velha alma luso-asiática. (...) Desagradava-me aquela visão do futuro próximo, a de um Macau de quem os profetas da desgraça diziam que viria a parecer-se com uma espécie de traseiras de hipermercado e de estação de triagem. (...) Não te esqueças de que aquele que te fala conheceu a Baía da Praia Grande, aquela curva perfeita onde corriam as águas amarelas, e não te esqueças do tempo das minhas primeiras viagens, quando eu ainda desembarcava sob os ventiladores coloniais, nas galerias sobre estacas do antigo terminal do jetfoil, e não te esqueças de que então, na ilha da Taipa, a maior parte das casas não tinha mais do que um andar" (p. 24)

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