sábado, 17 de novembro de 2007

«Ali ardem lumes misteriosos (...)»

«Cena doméstica. Lá está o meu cozinheiro a bater cabeça, como se diz neste Macau; lá está ele rezando aos seus deuses protectores (...)
Os altares aos deuses anicham-se pelas paredes, aos cantos do sobrado, sobre as mesas; e até junto ao fogão, onde se guisa o meu jantar, se presta culto a supinas divindades. Misteriosos ritos. São papéis encarnados, contendo cabalísticos dizeres; são figuras de horríveis monstros, coloridas pelas tintas mais surpreendentes, nas disposições mais grotescas, despertando quase o riso, despertando quase o medo, a quem não vive em graça em tal Olimpo. Ali o cozinheiro, em humildes genuflexões de crente, vem depor as suas ofertas, as minhas ofertas, pois sou eu que pago a festa, - ofertas de laranjas, de doces, de chá, de porco assado e de outras iguarias. Ali ardem lumes misteriosos; e frequentemente, pela noite, como agora, se queimam pivetes, círios rubros, resinas e papéis, de tudo emanando um fumo atroz, que invade em torvelinho a casa toda, que chega sem respeito ao sítio onde me encontro, e me sufoca. Paciência! (...)»
Wenceslau de Moraes. «Pau-Man-Chen». Paisagens da China e do Japão. 1906

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