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quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Por portas e travessas (3)







Travessa da Porta. Macau, Novembro de 2013

Com as suas bancas e lojecas de venda de artigos de culto, carnes fumadas e peixe salgado a Travessa da Porta é a mais movimentada de todas as artérias - travessas dos Alfaiates, dos Mercadores, dos Becos e Beco das Caixas - que ligam as ruas de Camilo Pessanha e dos Mercadores.

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Por portas e travessas (2)



Travessa do Fogão. Macau, Novembro de 2013

Muito curta e estreita, a Travessa do Fogão liga a Rua dos Ervanários à Rua de Nossa Senhora do Amparo.


terça-feira, 26 de novembro de 2013

Por portas e travessas (1)




Travessa dos Alfaiates. Macau, Novembro de 2013

Travessa dos Algibebes. Macau, Novembro de 2013


Estreita e comprida, a Travessa dos Alfaiates liga a Rua de Camilo Pessanha à Rua dos Mercadores. Aqui, e do lado oposto da rua, começa a Travessa dos Algibebes, cujo altar se encontra já no topo da travessa onde esta se entronca com a Rua de S. Paulo.

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

terça-feira, 30 de julho de 2013

Coloane por Maria Ondina Braga


Perto, a construção de um aeroporto cósmico. Montanhas de cimento, ferro, maquinaria, onde antigamente baloiçavam sampanas de tecto de esteira. Mais uma veloz e irreverente via de avizinhamento da civilização ocidental com o Dragão do Centro? Destarte, cedo haviam ali de aterrar estranhos seres sem tradições, o corpo químico, a dissonância da língua, a febre, senão a fobia do futuro. Forasteiros, enfim, que tanto podiam ser moradores de Marte como puros investigadores das secretas por vezes sinistras seitas orientais. E por que não adeptos dos milenários e místicos caminhos dos monges tao-shi, o seu viver com os pinheiros e os cedros de desprezo pelo mundo? Além de outra variedade de visitantes, estes mais concretos, munidos de memorandos, de cadernos para escrever crónicas, comentários, encómios, críticas até a um Macau todo forte, fácil, florescente.
Essa a meditação a que eu me entregava, naquele domingo, durante o passeio a Coloane de autocarro. A primeira vez que ia a Coloane sem sulcar o rio. Uma vaga nostalgia da lancha baloiçante: "proibido escupir e deitar muco nasal", o apito da largada, correntes e cabos a ranger, lento o marulho das águas lodosas. A nostalgia da lancha e a surpresa da ponte. Fina como um pente de marfim, a ponte agora alia a pentear os cabelos da chuva. A chuva há uma vintena de anos. O meu rosto erguido e alagado. A chuva no meu rosto tal, segundo a canção cantonense, nas folhas nobres das palmeiras. Eu ironicamente a interrogar-me se seria chuva, se seria choro.
Meditação, confesso, cúmplice do medo. Como seria Coloane nos dias de hoje? Medo de não reconhecer Coloane, de não vir a encontrar lá nenhuma recordação. Concentrava-me. Esforçava-me por confirmar nos meandros da memória a paisagem de outrora. "Ah, Coloane outra coisa!", tinham-me dito. "Muitas obras, um grande incremento..." Medo e pena par-a-par. Pena daqueles que, ao descer no aeroporto, nada já para eles da alma de Coloane? Com certeza. Mas pena de mim, sobretudo. Do desfazer não somente dos laços do meu idealismo mas também dos lances dos meus livros.
O maximbombo, que quase voara nos braços da ponte, afrouxou a marcha. Estamos a chegar - avisou alguém. A lancha levava duas horas, na maré baixa. De regresso a Macau, frequente ficarmos a meio da viagem, pela noite. Frequente nós ali à espera que os espíritos do rio cumprissem os seus ritos, quiçá as suas rezas à Deusa da Lua.
Se ao menos o pagode... cogitava eu. O pagode, esse impossível ter passado porque aí o centro da Grande Demora. O pagode e, ao longo do molhe, troncos caprichosamente contorcidos e raízes ao vento, as árvores-de-pagode. Entidades celestes, quando não satânicas, as árvores. Isto é, imortais. E respirei fundo. Logo à entrada da ilha, o Olho do Céu sobre o ombro da Terra no templo budista. Que as árvores, essas uma procissão de penitentes ilha adentro. Árvores de cujas fibras um bonzo fabricara a primeira folha de papel na época Sung: o primeiro papel-moeda de promessa ao Omnipotente?
E segui para o interior.
A chuva ia escampando. O pagode. O ficus. Os símbolos sagrados. Prosseguia. Parava de onde em onde a pensar, a perscrutar. Prédios modernos, demolições, mudanças. Lembro-me de, por estes sítios, haver uma praceta com um poço e de, ao redor do poço, crescer uma erva que os chineses usavam para os vaticínios. Um poço que estancara, contava-se, aquando da ocorrência de um cometa: de comprida, a cauda do cometa causando uma queda de estrelas que queimara a nascente. Bonita a lenda do poço. Será que ainda cá alguém fiel a tão fabulosa efeméride? Presentemente, que pena, nem poço nem praceta. E o che-pu, esse mágico e urgente vegetal das cinquenta-varas-da-adivinhação? Que seria feito do che-pu? Diferente, sem dúvida, o traço de algumas ruas e de algumas casas. E talvez as artes do comércio e da pesca, e até certos costumes. Tudo mudado, no final de contas? Não. Tudo, não. Aqui, por exemplo, por estas travessas, por estas ruelas, gatos à porta das lojas de peixe seco, ovos podres, couve salgada. Aqui, velhos e moços, mulheres e crianças iguais aos de há vinte e cinco anos. E soltei um suspiro de alívio. O homem. Era o homem. E eu tão imperdoavelmente a esquecê-lo em Coloane. Uma vontade de pedir desculpa àquela gente. Mal-grado o tempo, as intempéries, e a minha distracção, imutável, o homem. As feições, a figura, o fôlego do homem. Tirava-o pelas falas. Tirava-o pelos silêncios. E assim as mesmas moscas a enxamear o peixe que o homem pescava e secava e curava. E o mesmo cheiro a sal, a sutate, a incenso.
Já entretanto a viração varrera os ares e para lá do molhe as águas se alisavam quando, compensada por esse encontro em Coloane (o encontro com a criatura?, o encontro comigo?) eu agora a sondar o oceano. Tudo com dantes? Sim, creio que sim. Tudo como dantes, a não ser... A não ser o quê? Não sabia explicar. Qualquer coisa longe, na líquida largueza. Mas que coisa? Cismava. E nisto, como um aviso, uma gaivota a levantar voo na ponta do paredão, e eu a ver, ou antes, a visionar... A ver o quê? Ora, as velas! Rectangulares, remendadas, verde-lodo, cor de tabaco, pretas, as velas dos juncos que, ao entardecer, se tornavam gigantescas borboletas nocturnas. Aonde agora essas enormes e negras falenas a cortar os ares ao escurecer?
Na paragem do autocarro de volta a Macau, novamente o templo budista. Entrei. Lá dentro dois jovens chineses, bem apessoados, a bater cabeça, a queimar pivetes, a tocar o sino-de-chamar-o-Buda - e depois curvados diante do bonzo para este lhes ler as linhas das mãos.
Antes de deixar Coloane escrevi um postal à Regina Louro que aí vivera na década de setenta. A modesta pensãozinha onde ela então se hospedara ainda lá disponível, quem sabe? De qualquer modo, o pagode. O pagode, as veneráveis árvores, e o homem: a face, a fé, o fatalismo do homem. Da falta das velas nos barcos de peito-de-pato e popa alta, nem pagava a pena falar. Uma saudade que, no entanto, eu traria comigo, a dessas visões vagabundas, dessas bandeiras dos ventos, ao anoitecer.
Maria Ondina Braga. "Coloane". Passagem do Cabo. Editorial Caminho, 1994

Coloane antigo








"Macau. China. The Old Coloane". 
Bilhetes Postais Ilustrados de Coloane antigo (século XX, anos 60 ou 70). 
Fotógrafo(s) não identificado(s).

sábado, 27 de abril de 2013

Momentânea paralisação do comércio em Cantão (3ª parte)




Momentânea paralisação do comércio em Cantão (3ª parte)

(...)
"Os estrangeiros eram, na generalidade, designados pelos chineses por "Hong-mou-kuâi", diabos de cabelos vermelhos, sendo tal designação sido primeiramente aplicada aos holandeses, ou "fán-kuâi" (diabos estrangeiros); os parses, por trazerem o cabelo à escovinha, chamavam-nos "pák-t'au kuâi" (diabos de cabeça branca); aos moiros mó-ló kuâi (diabos mó-ló, corrupção da palavra portuguesa "mouro");  aos portugueses "sai-ieóng kuâi" (diabos do oceano ocidental, pois que assim eram conhecidos desde o século XVI) e aos macaenses "ou-mun kuâi" (diabos de Macau).
Um jurubaça ou língua (intérprete) nativo era, de vez em quando, enviado pelas autoridades chinesas às feitorias para lhes lembrar que estavam ainda em pleno vigor as oito estipulações elaboradas no ano de 1760 para regulamentar a estadia dos estrangeiros em Cantão, as quais foram confirmadas por um édito, em 1819, pelo imperador Hong-Hei, depois de revistas em 1810 (....)"


"Destas restrições, a mais dura de sofrer era a absoluta privação da companhia das mulheres e filhas, chegando alguns, que por motivo dos seus negócios ou de serviço se não podiam ausentar-se de Cantão, a viverem seis ou sete anos sem verem uma mulher europeia. Para obviar esse inconveniente, os chefes das firmas estrangeiras possuíam em Macau apalaçadas residências, onde viviam as suas famílias, para junto das quais regressavam, anualmente, em Abril, demorando-se até Outubro."




"A violação da proibição da permanência duma mulher ocidental na feitoria originou, uma vez, a completa cessação do comércio com os estrangeiros".

"Exercia o cargo de sobrecarga da majestática Companhia Britânica das Índias Orientais, sir William Baynes, homem de muito pundonor e de certa excentricidade que andava irritado com as restrições impostas pelas autoridades chinesas e, como não era permitido aos estrangeiros, fosse qual fosse a sua categoria, andar de cadeirinha, não hesitou em proibir os importantes negociantes dos Hongs de entrarem de cadeirinha na feitoria inglesa."

"Mas já antes resolvera reptar as proibições chinesas hospedando na sua residência, na feitoria britânica, a mulher e a sobrinha de Abiel Abbot Low, que foi presidente da Câmara  do Comércio de Nova York, sendo, então, o chefe da firma Russell & Co., da qual era um dos sócios o seu tio, William H. Low, que chegara de Salem, em Setembro de 1829, no barco "Sumatra" do comando do capitão Roundy."

"O vice-rei de Cantão, ferido na sua dignidade, pelo atrevimento do ousado e arrogante estrangeiro que ousara violar a lei, determinou a imediata expulsão das duas senhoras, mas sir William Baynes, cavalheiresca mas odburantemente, recusou-se a ceder perante tal imposição. Para dar uma lição, o vie-rei ordenou a suspensão total do comércio com os estrangeiros, sem se importar com os tremendos prejuízos económicos que adviriam duma tal medida que privaria inúmeros chineses do seu meio de vida. O capricho de sir William Baynes, capricho muito caro, durou seis meses e originou também não poucos prejuízos para todas as firmas estrangeiras de Cantão."

"Ora a sobrinha de Abiel Abbot Low chamava-se Harriet Low*, que deixou publicado um volume de memórias da sua estadia em Macau, onde viveu, na residência do dono da firma Russell & Co., que a ajuizar-se pela descrição feita pela autora, deveria ter sido uma esplêndida videnda, edificada no Largo da Sé, do outro lado da Travessa de S. João, oposto à catedral."



"Pelo retrato a óleo que Chinnery dela fez, deve ser bem fiel como todos os trabalhos saídos das mãos deste notável pintor inglês, e por alguns excertos do seu livro de memórias que nos foi dado a ler, parece que deveria ter sido uma rapariga muito atraente, pela sua beleza e frescura da sua juventude, atirada às letras, posto que sem grande cultura e quiçá até um tanto presumidazinha, mas encantando com a volubilidade da sua interessante conversa."


Luís Gonzaga Gomes. "Momentânea paralisação do comércio em Cantão". in Páginas da História de Macau. Instituto Internacional de Macau, Setembro de 2010.

Imagens: Rise & Fall of the Canton Trade SystemMIT. Visualizing Cultures.





* Harriet Low (1809-1877) chegou a Macau em Setembro de 1929 onde permaneceu até Novembro de 1833 na companhia da sua tia Abigail Knapp Low, esposa de William Henry Low. Durante a sua estadia em Macau redigiu vários diários e missivas que, posteriormente, em 1900, seriam publicados pela sua filha Catherine Hillard com o título My mother's journal. A young lady's diary of five years spent in Manila, Macao, and the Cape of Good Hope from 1829-1834. Uma segunda versão foi editada em 1953 por uma das suas netas, Elma Loines, com o título The China trade post-bag of the Seth Low family of Salem and New York.
No seu diário relata a visita a Cantão, em Novembro de 1830, "violando, portanto, as leis dos chineses; mas garanto-te que não é possível nenhuma comparação entre os chineses e qualquer outra nação do mundo. Eles não permitem qualquer inovação no "velho costume" e ferroarão estas duas palavras nos teus ouvidos para sempre, se não for do seu interesse violá-las, o que, então, será coisa diferente... Toda agente aconselhou o tio (W.H. Low. chefe da Russell & Co.) a fazer a experiência de levar-nos a Cantão, e eles foram muito astuciosos e sabiam qual o ponto fraco que deveriam ferir - a suspensão do comércio com uma casa... No nosso regresso, Macau pareceu mais encantadora do que nunca (...)". Em Março do ano seguinte recebem ordens do governador de Macau para a abandonarem o território. "Diz ele que não recorrerá à força para nos expulsar, mas, garanto-te, que não é agradável ser ameaçada de mudar de um lugar para outro (...) Ele (o governador) escreveu para Lisboa; mas provavelmente deverão levar três anos para receber a resposta. Julgo que, então, já estaremos preparados para regressar à nossa terra". in Páginas da História de Macau. Instituto Internacional de Macau, Setembro de 2010.



quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Estória di Maria co Alféris Juám - Dia Já Nacê


George Chinnery (1774-1852)
Vendedores ambulantes junto da Santa Casa da Misericórdia. 
Desenho a pena sobre papel, com esboço subjacente a lápis. 1836

"Macau - Desenhos de George Chinnery" - Museu de Arte de Macau



Ano di Dios 1825 ta perto-perto cavá.
(...)
DIA JÁ NACÊ
Na rua, china cartá cesto, subi, decê, gritá "Min-pao! Vendê min-pao, quente-quente!" Cúli pussá caréta, gongchông-gongchông, dôs pê pa-chac, pa-chac chám, sai voz gritá "Uai, uai!"
Di lóngi ta vêm china di vendê catupá, co quánto apô-apô tá cartá águ-fonte. Áma-áma cartá cesto ta vai bazar comprá sôm. Na riva di travessa, dôs vêla cubrí dol tá andá vai greza.
Unga caro roda-di-pau torto-torto, co unga bôi na diánte ta pussá, vagar-vagar ta deslizá na chám di rua, levá águ-fónte vai casa di nhu-nhum gente grándi.
(..)
Dia já nacê. Más unchinho ora, sã ta olá Sol imburcá cabeça pa sai trás di Mato-Guia.
Agora sã merendéro co lata na riva di cabéça gritá: "Apa-bico quente-quente! Coquéla! Bicho-bicho! Quim quelê complá! Quente-quente!"
José dos Santos Ferreira. Macau Di Tempo Antigo. Edição do Autor, 1985


*******
ÁGU-FONTI - Água para beber
ÁMA - Criada. Áma no dialecto macaense não tem o significado de ama, "mulher que amamenta criança de leite". Esta designa-se por áma-lête. Áma-seco: criada que trata de crianças, sem as amamentar.
APA-BICO - Apa salgada com recheio de carne de porco picada e outros condimentos
APÔ - Mulher chinesa de certa idade. Termo derivado do chinês ap'ó que significa velhinha. Apô di cartá águ: mulher que traz a água, aguadeira
BICHO-BICHO - Doce macaense à base de farinha e ovos e coberto de açúcar derretido. O nome bicho-bicho deriva da forma torcida do doce semelhante a bichos.
CARTÁ - Transportar, trazer ou levar
CARÉTA - Carro, veículo
CAPUTÁ - Bolo salgado chinês, feito com arroz, carne de porco, etc.
CAVÁ - Acabar, terminar
CO - Com, e. Iou vai juntado co ele: vou juntamente com ele. Pedro co Ana já vêm: o Pedro e a Ana vieram
DOL - Peça de vestuário, espécie de touca ou manto com que as mulheres se cobram para irem à igreja.  O termo dol vêm de dó (luto)
DÔS - Dois, duas. Dôs-dôs: aos pares
GONGCHÔNG - Chocalhar, agitar.
GREZA - Igreja
MIN-PAU - Termo chinês que significa pão. Min-pau quente-quente: pão quentinho, acabado de sair do forno
NHUM - Rapaz. Nhu-nhum: senhores, homens. Nhónha-nhónha: senhoras, mulheres
PUSSÁ - Puxar
RIVA - Cima; em cima
TORTO - Torto. Torto-torto: entortado
UNGA - Um ou uma
VAGAR - Devagar, sem pressa. Vagar-vagar: muito devagar, devagarinho
VÊLA / VÊLO - Velha / velho
SÔM - Termo chinês que significa comida. Comprá sôm: ir ás compras no mercado

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

A ilha da Taipa - por Raquel Soeiro de Brito



Fábrica de Panchões Yick Loong, Taipa. Década de 1960 
Fotografia de Ou Ping 
in Uma viagem no Tempo. Fotografias de Macau por Ou Ping". IACM, 2007


A ilha da Taipa
"Com seus 3,5 km2 e 4600 habitantes (1960) (fig. 9), Taipa tem uma densidade de população de 1315 h/km2; mas este número aumenta consideravelmente se for calculado em relação à superfície cultivável (área de 40 ha, em 1960): 11 500 h/km2.
Facilmente se compreende que nem as técnicas minuciosas, que os Chineses dominam como ninguém, tal população pode ter como base a agricultura. De facto, assim sucede: parte da população dedica-se à pesca, seguindo as técnicas já apontadas para as outras parcelas do território de Macau.
Contudo, não é nenhum destes modos de vida o principal na ilha, mas a indústria dos panchões, isto é, "canudos" de papel enrolados, cheios de pólvora e que, atados uns aos outros em longas "bichas", são queimados, com muito estrondo, em todas as festas. São as dependências isoladas das pequenas fábricas, a trepar pelas encostas nuas de SE, que se vêem do mar; é o emprego que as sete fábricas, hoje em laboração, proporcionam a mais de metade da população da ilha. Mas é também a ocupação, como indústria caseira, de todos os minutos livres, entre saídas para a pesca, os labores nas hortas, nos pequenos intervalos do trabalho doméstico; é principalmente o trabalho moroso e quase incerto dos meninos que dão a medida da importância deste ganha-pão. Se já na cidade esta actividade, aí secundária, é importante, aqui é-o muito mais, mesmo primordial. Nas fábricas só se efectuam os trabalhos perigosos ou de acabamento; todas as fases preliminares de execução dos "canudos" e seu envolvimento em papel colorido são feitos em casa ou, mais concretamente, à porta e no meio das ruas; e quantas vezes os olhos ficam pregados nos deditos dos garotos, mais pequenos do que o comprimento dos "canudos"... Quando os proventos familiares são escassos - e é o caso em toda esta região - há que recorrer a todas as possibilidades de ajuda.

Fabrico de Panchões, Taipa.  Década de 1960. 
Fotografia de Ou Ping 
in Uma viagem no Tempo. Fotografias de Macau por Ou Ping". IACM, 2007

As unidades fabris são compostas por grande número de barracões de cimento (pela maior parte), independentes, onde se procede ao enchimento dos canudos com pólvora, encaixotamento e armazenagem. Algumas operações são feitas ao ar livre, por grupos alegres de raparigas que, como em qualquer parte do mundo, aproveitam a mínima oportunidade para chacotearem umas com as outras.
As operações mais perigosas são as de confecção e transporte da pólvora (serviço só feito por homens) e do enchimento dos canudos; este processa-se quase às escuras, apenas participando em cada barraca três ou quatro mulheres.
Na eventualidade das explosões - que infelizmente são frequentes - existem em cada fábrica um ou mais tanques de água, sempre muito próximos dos barracões onde se manuseia a pólvora. Por vezes a violência das explosões é tal que rapidamente o fogo se propaga a vários edifícios; e infelizmente muitas são as ocasiões em que há vítimas a lamentar.
Por esta actividade tão importante na ilha, Taipa faz bem figura de "terra industrial", pelo menos ao lado da vizinha Coloane".
Raquel Soeiro de Brito. "Achegas para a Geografia de Macau". Revista da Junta de Investigação do Ultramar, nº 81 (Colóquios sobre as províncias do Oriente. Volume 2), 1968.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

A ilha de Coloane - por Raquel Soeiro de Brito


"Avenida". Vila de Coloane, ca. de 1960. 
Fotografia de Lei Chiu Vang do álbum Visita ao Passado
Museu de Arte de Macau e Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais. 2004


A ilha de Coloane

"A ilha de Coloane, situada a 6 km ao sul de Macau, é um arco granítico formado por uma série de picos, de que o mais alto, aberto a sul-sudeste, tem 173m, separados uns dos outros por colos estreitos a alturas compreendidas entre os 50 e os 110 m (fig. 8). A costa é abrupta, à excepção da baía de Hac-Sá, a sudeste, e de pequenos anfiteatros formados pela junção de linhas de água, de que os mais importantes são Ká-Hó, Siac Pai Van, Tai Van e Coloane. É o mais extenso e menos povoado dos três territórios: 6,6 km2 de superfície, 2800 habitantes (1960) praticamente repartidos pela vila de Coloane, 1660, e pelas duas aldeias, Hác-Sá, 220, e Ká-Hó, 240. Todos os importantes lugares povoados se situam, pois, perto das melhores enseadas e são rodeados por um aro de culturas que começam por hortas junto das casas, e depois quase sempre arroz disposto em socalcos, mais ou menos estreitos, que trepam pelas encostas até onde os riachos e as nascentes podem fornecer água necessária a esta cultura. Apenas uns 40 ha (6 p. 100 da superfície) estão sujeitos a cultura regular, sendo o arroz a mais importante. Este é sempre plantado primeiro em viveiro cuidadosamente estruturado e, depois de umas três semanas, passa então aos tabuleiros definitivos; as espécies mais empregadas ficam na terra cerca de três meses, procedendo-se a uma monda sensivelmente a meio tempo. Fazem-se geralmente duas sementeiras por ano: em Março e em Julho; logo em Novembro se dá novo arranjo à terra para a produção de horta até ao mês de Março seguinte: há que aproveitar ao máximo toda a terra, que a gente é muita e o espaço agrícola reduzido.
Nas aldeias e lugares as casas são juntas em pequenos núcleos familiares, por entre os quais se insinuam os pedacitos de horta. As casa são térreas, de tejolinho de cutelo, como é tradicional no Sul da China, geralmente de planta rectangular e telhado de duas ou quatro águas. Este é sempre de telha plana, sendo as juntas protegidas por telhas de "meia cana", sucessoras dos antigos bambus partidos ao meio. Portas pequenas e estreitas e poucas aberturas para o exterior deixam sempre a casa com luz escassa. Além da sala - onde noite e dia ardem "pivetes" e lamparinas - e da cozinha, todas as outras dependências servem para guarda de utensílios e para dormir, abrindo-se os "burros" em qualquer canto e arrumando-os de dia contra qualquer parede.
A vila é pequena:  duas ruas paralelas entre si e à baía, ligadas por algumas pequenas transversais. Em quase todas as casas, tal como sucede no bairro do Bazar, na cidade, os pisos térreos são dedicados ao comércio: na rua fronteira à baía, quase só para o negócio da pesca; nas outras, para o comércio em geral. Em qualquer caso, os andares superiores são destinados à habitação. Tal como as aldeias, a vila termina por uma cintura de terrenos de cultura e só se distingue daquelas por ser maior, possuir casas de andar e pelo intenso movimento ligado à pesca. E porque aqui tudo está mais concentrado do que na cidade temos a ilusão de o movimento ser ainda maior, principalmente ao cair do dia e às primeiras horas da noite, quando se ultimam os preparativos para a faina.

"Remendando uma rede de pesca".  Ka-Ho, Coloane. Ca. 1970. 
Fotografia de Lei Chiu Vang do álbum Visita ao PassadoMuseu de Arte de Macau e Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais. 2004

Ao norte da vila e separado dela por um pequeno morro fica um velho estaleiro de construção naval, pertença de uma família de construtores que há cerca de dois séculos aqui se estabeleceu, vinda da ilha fronteira da Lapa, que continua fazendo e remendando barcos pelos tradicionais processos, entre os quais os de arqueação pelo fogo.

"Estaleiro em Coloane". Ca de 1970.  
Fotografia de Lei Chiu Vang do álbum Visita ao Passado
Museu de Arte de Macau e Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais. 2004
O interior da ilha é completamente desocupado e, como praticamente não tem vegetação, é presa fácil de erosão, que cava enormes grotas por onde, no tempo da chuva, rolam as águas em turbilhões, arrastando atrás de si massas enormes de material arrancado, descarnando a ilha com enorme rapidez. Urge, por isso, proceder ao repovoamento florestal, o que começou a fazer-se nos últimos anos.
Raquel Soeiro de Brito. "Achegas para a Geografia de Macau". Revista da Junta de Investigação do Ultramar, nº 81 (Colóquios sobre as províncias do Oriente. Volume 2), 1968. 

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

"Os Tintins - Shops de Macau" por Filipe Emílio de Paiva


Igreja de Stº António
Bilhete Postal editado por M. Sternberg - Hong Kong
in João Loureiro. Postais Antigos de Macau 

"Permanecendo um certo tempo em Macau, mais tarde ou mais cedo, tem que se ir aos tintins, ou lojas de bricabraque chinesas.
Aglomeram-se estas lojas por detrás da Igreja de Stº António.
Tudo o que há de mais esquisito e disparatado em mobílias, loiças, antigas e modernas, chinesas ou europeias, aparece no amontoamento destas lojas, de envolta com lixo, maus cheiros, a cozinha e o menage dos proprietários.
Quem tem paciência para andar de um para outro tintin, rebuscando, regateando, consegue às vezes, mas raramente, encontrar algum bordado antigo e raro, alguma porcelana, jarra ou chávena de algum valor, e que se adquire barato. Porém isto já está tão explorado, e como em Hong Kong o mercado é maior e mais rico, os tintins de Macau nada dão ao curioso, que recompense a maçada de regatear com os chineses, discutir, entrar e sair em recusas de oferecimentos cinco ou seis vezes na mesma loja.
(...)
"Mas nestas lojas está tudo amontoado! São barracas que extravasam a rua. louças, botas e sapatos, ferragens, armas, pratos e estatuetas, oleografias, números dos jornais ilustrados, ingleses ou franceses, tudo isto abrigado do sol ou da chuva por toldos seguros por varas de bambu, ou ripados de tábuas negras ardidas pelo sol e pela chuva.
(...)
É isto o que se chama um tintin.
(...)
Filipe Emílio Paiva. Um Marinheiro em Macau - 1903 - Álbum de Viagem. Museu Marítimo de Macau, 1997

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

A Cidade de Macau - por Raquel Soeiro de Brito


A Cidade
"Na cidade, nas horas de maior bulício, as pessoas acotovelam-se e os transportes colectivos e individuais têm dificuldade em passar. Com uma densidade populacional de cerca de 29 000 h/km2, Macau integra-se bem no tipo da cidade oriental, formigueiro de gente.
Por entre o amontoado de casario sobressaem algumas colinas graníticas a que a densa vegetação, que as cobre quase por completo, e a aspereza das encostas dão maior realce. Em pleno centro, a colina do Monte, encimada por uma fortaleza à Vauban, mandada edificar pelos Portugueses, domina a cidade; no flanco do Noroeste ergue-se a elegante fachada de pedra, restos da "mais linda igreja do Oriente", que um incêndio devorou em 1825. À roda da igreja e no contraforte da fortaleza situou-se, até ao século passado, o mais importante bairro português. Ainda aí hoje se vêem alguns palácios e sobrados que se desafiaram uns aos outros em beleza; mas na quase totalidade foram abandonados pelos descendentes dos antigos moradores e acabaram por ter o triste destino dos palácios de Xabregas, em Lisboa. Apenas na Rua de Santo António algumas destas casas grandes continuam habitadas por famílias de dinheiro e de bom gosto. Ainda no centro, a colina de Camões é inteiramente ocupada por um grandioso jardim. A oeste da Península encontram-se as colinas da Barra e da Penha, uma e outra conquistadas pela implantação de vivendas ricas envoltas em jardins floridos, o mesmo se verificando de 1960 para cá, com os relevos de São Januário e Guia, a sudeste; porém em Mong-há, a norte, e na Ilha Verde, a noroeste, onde ainda não chegou a onda de construção, salientam-se as manchas de verdura intactas, fazendo realçar ainda mais as elevações."

Missa ao ar livre nas Ruínas de S. Paulo. 1964
Fotografia de Leong Chi Cheng in
Cinquenta Anos Num Olhar: Meio Século Documentado pela Associação Fotográfica de Macau. 
Museu de Arte de Macau, 2008
"De todas as zonas em que se pode dividir a cidade (fig. 3), a que mais atrai a atenção do Ocidental é a do bairro do Bazar, habitado principalmente por chineses e com uma vida comercial muito intensa. Ruas estreitas e sombrias são ladeadas por prédios esguios de dois ou três andares; quase todos possuem varandas muito salientes, as dos andares inferiores protegidas pelas varandas dos outros, apoiadas em colunas geralmente de madeira; as dos últimos andares são cobertas com folhas de zinco ou simples oleados, que as abrigam das chuvadas de monção de Abril a Setembro. O rés-do-chão de quase todos os prédios é ocupado por lojas , indicando os grandes letreiros, em vistosos e coloridos caracteres chineses, o ramo de negócio. E muito mais do que uma loja de aldeia europeia, cada pequenina loja é um mundo de artigos; bancadas de madeira de um e outro lado das portas, às vezes em montras, e uma amostragem seleccionada indica os artigos que há para venda: produtos alimentares, de vestuário, calçado, brinquedos, bugigangas várias, uma secção de câmbios, etc., etc. Mas também existem lojas especializadas na venda de certos produtos: antiguidades, ervanárias (é bem conhecido de todos os ocidentais a sua importância na medicina oriental), casas de vinho chinês, isto é, de álcool destilado de arroz, diferindo de sabor consoante os animais que se juntam, até ficarem desfeitos (por exemplo: gatinhos, cobras, lagartos). É nestas ruas que o bulício é maior e as pessoas se acotovelam mais amiúde nas horas de maior movimento; quando subitamente todo este movimento cessa e a azáfama comercial se interrompe, as janelas iluminadas e as portas entreabertas, donde sai o ruído surdo das pedras de majongue, são o único sinal de vida, pela noite fora."

Rua da Felicidade, anos 1960-70.
Fotografia de Lei Chiu Vang do álbum Visita ao Passado
Museu de Arte de Macau e Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais. 2004

"Na larga Avenida Almirante Sérgio, que rodeia o porto interior, em contraste, encontra-se o maior número de casas comerciais dedicadas a um mesmo ramo: tudo relativo à pesca, desde a venda dos mais variados apetrechos para os barcos e para a faina, até à compra e exportação do pescado. Também é nesta zona da cidade que está localizada a grande maioria das suas pequenas indústrias (serração de madeira e construção naval, tinturaria e estampagem de tecidos, confecção de vestuário, luvas e calçado, artigos eléctricos, esmaltagem, garrafas térmicas), que ocupam 16 000 pessoas (1/4 na confecção de artigos de vestuário e outro 1/4 no fabrico de explosivos e pirotecnia) e contribuem para alimentar, pela maior parte, as exportações e abastecer uma clientela modesta de grande número de portos da África Oriental."
A larga Avenida Almirante Sérgio, cerca de 1970.
Fotografia de Lei Chiu Vang do álbum Visita ao Passado
Museu de Arte de Macau e Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais. 2004

No istmo, perto da porta do Cerco e bordejando a periferia oriental da cidade, vêem-se desenvolvendo aterros há mais de três décadas; em 1961, formavam um conjunto de 68 ha, repartidos por quatro pequenos retalhos (fig.3). À medida que iam crescendo logo se implantavam hortas, minuciosamente cuidadas por agricultores que "têm atrás de si um tesouro de experiência acumulada por gerações de camponeses pacientes e engenhos" (Gourou). Estas hortas iam substituir as que o crescimento da cidade expulsava do seu núcleo; nos últimos cinco anos elas próprias tiveram a mesma sorte, dada a expansão rápida da cidade. Os moradores foram obrigados a retirar para as ilhas, onde, por enquanto, há espaço susceptível de ser aproveitado para a agricultura.
Raquel Soeiro de Brito. "Achegas para a Geografia de Macau". Revista da Junta de Investigação do Ultramar, nº 81 (Colóquios sobre as províncias do Oriente. Volume 2), 1968. 
 As Portas do Cerco, cerca de 1970.
Fotografia de Lei Chiu Vang do álbum Visita ao Passado
Museu de Arte de Macau e Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais. 2004

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Raquel Soeiro de Brito  [Assunção/Elvas, 1925]  
Geógrafa. De seu nome completo Maria Raquel Viegas Soeiro de Brito, doutorou-se em 1955 em Ciências Geográficas, na Universidade de Lisboa. Assistente na Faculdade de Letras de Lisboa (1955-60), professora extraordinária (1960-66) e catedrática (1966-77) no Instituto Superior de Ciências Sociais e Política Ultramarina e na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (desde 1977). Professora titular de Paris X (1980-81).

Foi adjunta à Missão de Geografia à Índia, entre outras realizadas no então Ultramar português, entre 1955 e 1974. Em 1957 foi louvada pela missão científica feita ao vulcão dos Capelinhos, nos Açores. Em 1967, foi-lhe atribuído o Prémio Internacional Almirante Gago Coutinho pelo trabalho Goa e as Praças do Norte. Fundadora do Departamento de Antropologia (1974) e de Geografia e Planeamento Regional (1980) na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Dirigiu a revista da Sociedade de Geografia de Lisboa, Geographica. Realizou numerosas viagens de estudo, conferências e cursos.

Tem dirigido e participado em trabalhos de investigação e pesquisa no âmbito de programas lançados por outras universidades e organismos internacionais. Comendadora da Ordem do Marechal José Pessoa (Brasil, 1964), Officier des Palmes Académiques (França, 1974), Membre d'Honneur da Sociedade de Geografia de Paris (1982), membro da Academia da Marinha (1987). Tem colaboração em revistas da especialidade estrangeiras e portuguesas como: GeographicaFinisterraGarcia de OrtaNaturalia, etc.

"Uma linda paisagem de Macau"

"Uma linda paisagem de Macau" 

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

"Macau" - por Artur Lobo d' Ávila (2ª parte)


MACAU
Apontamentos históricos - A incuria portugueza nas relações com a China - De Lisboa a Macau - Macau pittoresco - O anno novo china - A procissão do Dragão

(CONCLUSÃO)

Segunda parte de um artigo de Artur Lobo d' Ávila publicado na revista Serões, Nº 62 de Agosto de 1910 ( Hemeroteca Digital)







"Macau" - por Artur Lobo d' Ávila (1ª parte)

MACAU
Apontamentos históricos - A incuria portugueza nas relações com a China - De Lisboa a Macau - Macau pittoresco - O anno novo china - A procissão do Dragão


Primeira parte de um artigo de Artur Lobo d' Ávila publicado na revista Serões, Nº 60 de Junho de 1910 ( Hemeroteca Digital)