"Aproximava-se o mês de Outubro e com ele a festa da nona Lua, denominada "lua do crisântemo". De acordo com a tradição, as casas enfeitavam-se de balões vermelhos e as ruas de estandartes, cartazes e luminárias à noite. Foi a primeira festa na cidade realizada após o regresso de D. Catarina, que com saudosa satisfação revia aqueles enfeites alusivos ao acontecimento, distribuídos por toda a parte e com maior profusão no Bazar chinês, no largo do Senado, no largo de S. Domingos e em frente à Sé. Durante três a cinco dias, jovens e adultos compravam bolos da lua para oferecer aos amigos, cumprindo um voto tradicional de amizade entre os moradores, com base numa história em que o exemplo da cooperação e boa vizinhança salvara Macau de ser tomada pelos inimigos. Admirada de ver as ruas todas engalanadas, Ana Maria exclamou:
-- Grande festa bonita! É também para mim, nhónha mãe?
-- É sim, minha pequerrucha. É para toda a gente. Todos os anos, quando chega a nona Lua, a cidade inteira faz esta festa.
-- É festa de casamento?
-- Não! É para lembrar uma história antiga que salvou a cidade de ser atacada por homens maus.
-- Conta essa história...
-- Dizem que certa vez, um
boca de rua* achou maneira de enviar a todos os vizinhos uma mensagem, metendo um papel escrito dentro de cada bolo, que distribuiu de porta em porta. No bilhete pedia a todos os homens que se reunissem com as suas armas, à mesma hora e no lugar marcado para defesa da cidade, que estava prestes a ser atacada por um malfeitor.
-- E os homens foram lá, a esse lugar?
-- Foram, e não deixaram o pirata fazer mal aos moradores.
-- O pirata veio de noite?
-- Não sei minha filha. Porque perguntas isso?
-- Ah! Porque tem muitos balões com luminárias. Como é que não se queimam?
(...)"
Maria Helena S.R. do Carmo.
Uma Aristocrata Portuguesa no Macau do Século XVII. Nónha Catarina de Noronha. Inquérito e Fundação Jorge Álvares, 2006
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Porta voz dos moradores de uma rua ou bairro
NOTA: Existem diversas lendas associadas à
festa da lua e, em particular, no que respeita à lenda do bolo lunar ou "bolo bate-pau" são conhecidas várias versões, como por exemplo
esta narrada por Luís Gonzaga Gomes.