terça-feira, 27 de julho de 2010

Macau di tempo antigo: 1960 澳门


Sterculia lanceolata na Taipa

Sterculia lanceolata recentemente transplantada para um arruamento da Taipa.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

A Árvore Sagrada

Vamos amiga, minha sombra
Já sumiram as pegas desenganadas
Na escuridão da noite
Só o silêncio acolhe o coaxar dos sapos
Atirando para a orla do céu
A lua enferrujada

A oriente, o sol sangrento ascende
Na luz da aurora um pássaro azul desperta
Debica o puro e fresco orvalho
Vem, estende as mãos, desanuvia o céu
Deixa a madrugada revelar o matiz de cristal
Ousa a nudez primeva, com candura
Lava-te na luz da alva como um recém-nascido

Se o deserto odeia a sua própria aridez
Se transplantar uma vida é uma lenta agonia
Confia no tronco que emerge do chão profundo
Rompe o círculo dos anos no corte do lenho
Livra a alma, arranca das areias a barba estéril
Deixa o universo rodopiar num torvelinho
Arrastando para longe as suas raízes.
Gao Ge. Poemas. Colecção Escritas de Macau. Instituto Português do Oriente, 2007. (Poemas de Gao Ge traduzidos para português por Fernanda Dias segundo tradução literal comentada por Stella Lee Shuk Yee)

Biografia Sumária do Poeta Gao Ge publicada no livro Poemas:

"Gao Ge, poeta de Macau, nasceu em 1940, em Fujian. O seu nome oficial é Huang Xiaofeng.

É licenciado em letras pela Universidade de Xiamen. Fez o mestrado em Educação na Universidade de Wuhan e o Doutoramento em História na Universidade de Jinan.

Reside em Macau desde os anos setenta, onde se tem dedicado ao ensino da História da Arte.

Tem vasta obra poética e didáctica publicada em língua chinesa, e desenvolveu actividade editorial nas seguintes publicações:
Editor da página de letras do Jornal Hua Qiao
Editor da Revista de Cultura de Macau desde 1980.

É membro fundador da Associação de Escritores de Macau e Presidente da Associação de Poesia "Maio".

Actualmente ensina "História da Cultura de Macau" e "História Universal da Arte" no Instituto Politécnico de Macau".

Ficus rumphii

Ficus rumphii - ou Falsa Figueira do Pagode - na Taipa, no Largo e Calçada do Carmo.
Taipa, Junho de 2010

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Avenida da República

Legenda: "O conjunto de arvoredo da Av. da República. Tree line Praia Grande".
Fotografia de Wong Wai Hong. Edição: Ming Shun Dim. Data: 1990

Aberta em 1910, começa junto à Rua do Bom Parto e termina na Rua de S. Tiago da Barra. Até essa data, a estrada marginal à baía da Praia Grande terminava no Bom Parto, situando-se o forte junto ao mar. A fotografia mostra a Avenida da República antes da construção dos aterros da Praia Grande, cujas obras ficaram concluídas em 1996, com o fecho da baía e a construção dos lagos de Nam Van e Sai Van.
Toda esta zona, que foi a belíssima marginal de Macau, encontra-se classificada património cultural.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Tufão

Insinua-se a fúria do tufão
na solidez quimérica
do abrigo
e na calma provisória
do interior
reinam por instantes as razões
com que me digo

mas bem sei que a palavra
é grito débil
perante a fúria incontrolada
do tufão
e é ele que no final terá razão

Carlos Frota. Dos Rios e Suas Margens. Macau, 1998

O tufão de 1931

"Estragos do terrível tufão de 1931, na Praia Grande". Fotografia de autor não identificado publicada na RC - Revista de Cultura, nº 18, II Série, Janeiro / Março 1994

"(...)
No meio do optimismo geral que reinava em Macau, nos primeiros meses de 1931, deu-se um estranho acontecimento que muitos interpretaram como sinal de que a prosperidade iria encontrar o seu termo.
Este acontecimento foi o inesperado furacão de 19 de Abril que desabou sobre a cidade e cercanias, precisamente no dia seguinte à inauguração do "Capitol"(1) e quando no "Vitória" se estreava o "Sunny Side Up".
Os tufões são calamidades da natureza a que estamos habituados, mal desponta o Verão. Mas nunca eles surgem inopinadamente. Temos tempo de nos preparar, porque, mesmo sem consultarmos os boletins meteorológicos ou barómetros, a nossa experiência leva-nos a prever a sua aproximação, pelo intenso calor nas vésperas da sua vinda, pela observação do céu e do tempo, pelo aspecto do mar e pela recolha dos juncos ao Porto Interior. Em 1931, se não tínhamos os satélites nem os boletins emitidos de quarto em quarto de hora na rádio e na televisão, sabíamos pelos observatórios de Macau, de Hong Kong e da Ilha das Pratas, todo o movimento dos temporais que entravam no Mar da China.
Também estávamos habituados a ver levantar-se, de repente, um pé-de-vento que agita o mar em ondas alterosas, trazendo grossas rajadas do leste que tornam as viagens entre este Território e Hong Kong e arredores numa provação mais que incomodativa. São os tais "seack-vús" que causam avarias aos juncos e outras embarcações de pesca, mas que raramente resultam em tragédias.
Jamais, porém, houve memória dum furacão que caísse sobre a cidade desprevenida e mar à sua volta, com a fúria destruidora daquele.
Não nos lembramos se o dia nasceu molhado. O que se sabe é que nuvens negras se acumularam na parte da tarde, começando a cair sobre a nossa terra uma chuva torrencial por volta das 19,00 horas. Esta chuva foi engrossando, acompanhada de uma trovoada absolutamente anormal. As faíscas rasgavam o céu e os relâmpagos mostravam o negrume das nuvens e o véu espesso de água que nos fustigava. Para aumentar a desgraça, surgiu o vento com rajadas fortíssimas dum autêntico tufão e a superfície do mar entumesceu em vagas alterosas.
Durante algumas horas, a cidade morreu, num transe aflitivo. Árvores arrancadas, embarcações afundadas com algumas mortes e muitos feridos, a canhoneira "Pátria" e a lancha-canhoneira "Macau" sofreram avarias, algumas casas desabaram e, se a memória e as informações não nos falham, aqui e ali declararam-se incêndios.
Nós fomos apanhados pela tragédia quando nos encontrávamos, com os pais e irmãos, no "Vitória". O filme, esperado com grande expectativa, ficou interrompido logo no início. A trovoada era tão grande que o público encheu-se de pânico, começando a abandonar a sala de espectáculos. Apenas nos lembramos de ver a Janet Gaynor a cantar os primeiros acordes do "Sunny Side Up" e logo abriram-se as luzes. No átrio, apinhado de espectadores aterrorizados, víamos o fluir da torrente que vinha da Rua dos Mercadores para a Avenida Almeida Ribeiro. Não sabemos como o nosso pai conseguiu um táxi - um dos poucos que existiam em Macau e só pertencentes a garagens.
Ficámos molhados que nem pintos, ao entrar para o carro e durante o trajecto para casa. O motorista conduzia muito bem, felizmente, e defrontou a chuva que cegava, e o vento que parecia fazer saltar o automóvel, com calma e segurança. Quando chegámos a casa, estávamos quase em estado de choque, sem exagero.
No dia seguinte, o aspecto das ruas era desolador. Mas o que nos impressionou mais foi o panorama da baía da Praia Grande então ainda intacta, sem aterros que a destruíram para sempre. Havia juncos afundados e, a boiar, porcos e cães muito inchados e repugnantes, sabe-se donde.
A superstição chinesa, que vê nas calamidades súbitas da natureza em fúria o anúncio de graves acontecimentos políticos e económicos, ficou apreensiva e predisse uma mudança no mar de rosas de prosperidade. E não tardaria que factos viessem confirmar as suas apreensões.
(...)"
Henrique de Senna Fernandes. "O Cinema em Macau - II. 1930-31. A Emoção do Sonoro". in RC - Revista de Cultura, nº 18, II Série, Janeiro / Março 1994


segunda-feira, 19 de julho de 2010

Entrei no pequeno jardim público

Legenda: Macao - Public Garden. Edição: Union Postale Universelle.
Data: ca. de 1890

O Jardim de S. Francisco, ou Ka Si Lán Fá Yun, o Jardim dos Castelhanos, para os chineses, foi o Passeio Público de Macau e possuía um coreto onde tocava uma banda, ao pôr do sol, aos domingos e quintas-feiras. "A banda continuou ali a tocar por longos anos num coreto apropriado", diz o Padre Teixeira(1), "e só cessou de tocar quando esta última foi dissolvida a 9 de Outubro de 1935".

"19 de Setembro de 1883
(...)
No meu regresso entrei no pequeno jardim público, que tinha antigamente a forma de um jardim simétrico e regular, medido e traçado a compasso, e que o meu colega Brito tentou transformar em jardim e parque moderno, à inglesa. Está muito limpo e varrido e é este o seu único mérito, tendo muito pequena área e sendo vulgares as plantas que o adornam. Um guarda e jardineiro mostra-se como a medo e oferece a figura a mais extraordinária e original que é possível imaginar. É um china, um verdadeiro china de rabicho, mas vestido de cabaia e calção encarnados! Soube depois que para aquela pitoresca toilette fora aproveitado um pano de mesa, ou uns velhos reposteiros, que havia nas Obras Públicas. Mais extravagante do que aquela figura só ali vi a de muitas plantas em vasos a que a paciência e teimosia do chinês contrafizera por muito tempo, até obrigá-las a tomarem a forma de um dragão, de uma ave, de um mandarim ou mandarina, etc... Para a semelhança ser maior, adicionavam-lhes pequenas cabeças de porcelana e olhos de vidro reluzentes. Parece que o chim se compraz em contrariar a natureza. Pois pode admitir-se uma laranjeira, um pinheiro de vinte e trinta anos de idade, vivendo em um pequeno vaso de barro?!
(...)

20 de Setembro de 1883
(...)
Ao pôr do sol fui ao jardim público onde tocou a banda do corpo de Polícia, por ser quinta-feira. É toda composta de indígenas de Goa, que executam muito sofrivelmente músicas clássicas, peças italianas e composições escolhidas. A concorrência era pequena, e por entre os passeantes perpassava, mefistofélio, o guarda do jardim com a sua cabaia encarnada."
Adolfo Loureiro. No Oriente, de Nápoles à China. in Carlos Pinto Santos e Orlando Neves. De longe à China. Macau na Historiografia e na Literatura Portuguesas. Tomo II, ICM, 1998


(1) P. Manuel Teixeira. Toponímia de Macau, Vol 1. ICM, 1997

sexta-feira, 16 de julho de 2010

A fortaleza 1º de Dezembro


Legenda: Barracks & Port, Macao. Edição: Union Postale Universelle.
Data: Cerca de 1890
A Bateria 1º de Dezembro, o Quartel de S. Francisco e o Clube Militar


19 de Setembro de 1883
(...)
Empreguei o dia em diligências para activar os estudos, e depois de jantar dirigi-me a pé à bateria 1º de Dezembro, fortaleza que foi construída e artilhada pelo visconde de S. Januário com duas ou três Krupps que varrem ao lume de água a passagem entre Macau e a Ilha da Taipa.
Goza-se dali uma vista esplêndida. Para um lado a costa recortada de restingas e rochedos graníticos; para o outro a graciosa curva da Praia Grande a terminar na Fortaleza do Bom Porto, ou Bom Parto, e, ao longe, a fechar o horizonte, uma série de ilhas, apresentando um perfil dentelado e pitoresco. A formosa enseada e todo o mar, onde cruzam numerosas lanchas chinesas iluminadas pela luz avermelhada do sol poente, rematam o harmonioso quadro.
Adolfo Loureiro. No Oriente, de Nápoles à China. in Carlos Pinto Santos e Orlando Neves. De longe à China. Macau na Historiografia e na Literatura Portuguesas. Tomo II. ICM, 1998


A Fortaleza de S. Francisco, construída em 1623, constituía a primeira linha de defesa em caso de ataque marítimo, devido à sua localização, no extremo da Praia Grande, fronteira à ilha da Taipa. Ampliada em 1629, cujas obras deram-lhe "a forma que manteria com pequenas alterações até meados ou mesmo à segunda metade do século XVIII" (1), foi reformada em 1864, "tornando-se mais regular, com dois baluartes redondos situados nas muralhas, a Leste e Oeste, e com baterias triangulares mais baixas(2). Em 1872, quando da construção da Bateria 1º Dezembro (assim designada por que iniciada nesse dia), construiu-se uma ligação subterrânea entre a fortaleza e a bateria. Tanto a bateria como a passagem subterrânea desapareceram em 1931-32, quando dos aterros da Praia Grande.
_______
(1) e (2) Pedro Dias. A Urbanização e a Arquitectura dos Portugueses em Macau, 1557-1911. Portugal Telecom, 2005

quarta-feira, 14 de julho de 2010

A Ilha Verde, pequeno cone que emerge das águas

Legenda: Green Island, Macao.
Edição: Union Postale Universelle. Data: cerca 1900.
A Ilha Verde vista da doca Lam Mau

"18 de Setembro de 1883
(...)
A Ilha Verde, pequeno cone que emerge das águas, e onde existe uma casa pertencente ao seminário ou à mitra, é um soberbo bloco de granito onde no entanto a árvore do pagode conseguiu introduzir as suas raízes pelas fendas da rocha, vestindo a penedia de um manto de verdura. Há aí, no caprichoso dos blocos graníticos e na força vegetativa daquela árvore, efeitos muito belos. Lembro-me de ver um penhasco suspenso em um árvore, que se havia introduzido por uma fenda da rocha, e que no seu crescimento o havia erguido a certa altura.
Depois de jantar, a que me fez companhia o tenente Cinatti*, voltámos ao porto e à Ilha Verde, onde desejava ver o espraiado da baixamar."
Adolfo Loureiro. No Oriente, de Nápoles à China. in Carlos Pinto Santos e Orlando Neves. De Longe à China. Macau na Historiografia e na Literatura Portuguesas. Tomo II. ICM, 1998

* Demétrio Cinatti (1851-1921), filho do arquitecto e pintor italiano José Cinatti e avô do poeta Ruy Cinatti. Em Macau, "não se limitou às suas funções de capitão do porto e comandante da polícia do mar; estabeleceu ainda um posto meteorológico e levantou a planta de Macau, que foi muito apreciada em Lisboa. Estes trabalhos mereceram-lhe o grau de cavaleiro de S. Tiago e um louvor da Sociedade de Geografia de Lisboa, que o nomeou seu sócio correspondente" (in P. Manuel Teixeira, Toponímia de Macau, vol. 2). Em 1894 entrou na carreira consular, sendo cônsul de Portugal em Cantão, carreira que terminou, em 1917, no consulado de Londres.

Entrámos no chamado "bazar chinês"


Legenda: Macao. China Town.
Edição: Union Postale Universelle. Data: ca. 1890
A Rua da Felicidade

"16 de Setembro de 1883
(...)
Seguimos, depois, por umas ruas bordadas de lojas de objectos velhos e entrámos no chamado "bazar chinês", bairro em parte modernamente construído, já com certa regularidade e asseio, e onde há um movimento e animação extraordinários. São ali as lojas dos objectos de proveniência da China, desde os bens sortidos armazéns e estâncias de fruta e de comestíveis até os panos, seda e ourivesaria. As ruas são limpas e alinhadas, mas estreitas. As casas, todas da mesma construção e feitio, com as lojas decoradas com grandes tabuletas douradas, onde se lêem sentenças e máximas chinas, e ornamentadas com flores e lanternas. O bulício e o burburinho são grandes e enorme a concorrência de homens e mulheres chinesas, vendo-se entre estas algumas de pés microscópios, andando dificilmente e abordoadas a um guarda-sol, conservando um difícil equilíbrio sobre aqueles pequenos pés calçados com sapatinhos de bonecas.
Havia por ali numerosas casa de jogo do fantan, que se distinguiam pela sua pintura verde e por grandes lanternas, tendo à entrada nichos e altares onde ardiam pivetes e velas, alumiando feios ídolos pintados com cores muito vivas em posições arrogantes e com dragões e feras impossíveis. As casas da lotaria de vae-seng, do pacapio e de outros jogos eram também muito frequentadas e distinguiam-se igualmente pelas grandes lanternas, tabuletas, flores e pinturas em quadros muito alongados e estreitos. É que o jogo de azar é o vício dominante do chinês e que da exploração desse vício tirámos nós o principal rendimento da colónia, arrematando o exclusivo de tais jogos. É este o caso do fim não justificar os meios..."
Adolfo Loureiro. No Oriente, de Nápoles à China. in Carlos Pinto Santos e Orlando Neves. De Longe à China. Macau na Historiografia e na Literatura Portuguesas. Tomo II. ICM, 1998


Adolfo Loureiro (1836-1911), engenheiro e militar de carreira, foi vice-presidente da Sociedade de Geografia de Lisboa e autor de vários estudos sobre portos de Portugal, ilhas atlânticas e Macau. No Oriente, de Nápoles à China: diário de viagem (2 volumes, publicados pela Imprensa Nacional, 1896-1897) é um relato da viagem do autor ao Oriente - Singapura, Hong-Kong, Macau, Cantão e Batávia -, em 1883.

terça-feira, 13 de julho de 2010

Jardim da Flora

Jardim da Flora. Macau, Julho de 2010

Fica situado no sopé da Colina da Guia, num terreno que era propriedade do Pe. Vitorino José de Sousa e Almeida. Aqui, mandou o Pe. Almeida construir um palacete, em 1848, obra do arquitecto macaense José Tomás de Aquino. Mais tarde, em 1873, foi adquirido pelo Governo de Macau para servir de residência de Verão aos governadores, mas depressa foi abandonada a ideia devido à insalubridade da zona por ser pantanosa.
Durante o mandato do governador Tomás de Sousa Rosa (1883-86), instalaram-se viveiros, cujas plantas foram utilizadas na florestação da Colina da Guia. Em 1924, o Palacete da Flora foi transformado em jardim de infância, junto ao qual se instalou um paiol que, em 13 de Agosto de 1931, explodiu provocando a destruição do palacete.
O jardim do Pe. Almeida foi ainda propriedade de Sir Robert Ho-Tung, sendo conhecido, entre os chineses, por Ho-Tung Fá-Un, ou seja, Jardim de Ho-Tung, e ainda por I Long Hau Fa Un, Jardim das duas torneiras.

O acesso faz-se pela Avenida Sidónio Pais, a partir do qual uma larga alameda central liga o jardim ao Parque da Guia. Existe também um teleférico desde a entrada do jardim até à Colina da Guia.

Fontes:
Pe. Manuel Teixeira. Toponímia de Macau, Vol 1. ICM, 1997
António J. Emerenciano Estácio e António Manuel Paula Saraiva. Jardins e Parques de Macau. Instituto Português do Oriente, 1993

Crescentia Alata

Crescentia Alata (família Bignoniaceae), no jardim da Flora. Macau, Julho de 2010

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Horta da Mitra


O templo de Fôk Tai Chi na Rua Tomás da Rosa

Tai Pai Tong (tasquinha de rua) na Rua de Horta e Costa.


No Largo do Mercado Municipal


Horta da Mitra: designação pela qual é conhecido o bairro situado entre as ruas do Noronha, de Henrique de Macedo, de Tomás da Rosa, de Horta e Costa, da Colina e Nova à Guia. O Padre Teixeira cita uma passagem do livro Curiosidades de Macau Antiga, de Luís Gonzaga Gomes, onde este autor escreve, a propósito do bairro da Horta da Mitra (em tempos, também conhecido por Horta do Bispo) o seguinte:
"Há um trecho da cidade que ainda é conhecido pelos chineses com o nome de Tchèok-Tchai-Un, em local hoje dos mais populosos e sobrecarregado de casas encostadas umas às outras e separadas por uma apertada rede de ruas. Entre nós, é este sítio conhecido por Horta da Mitra e abrangia todo o terreno que ia desde a antiga Rua de Pák-Táu-Sán-Kai (Rua Nova dos Cabeças Brancas, isto é, dos Parses), actualmente denominada de Rua Nova à Guia, até ao Ho-Lán-Un (Jardim dos Holandeses), ou seja o bairro Uó-Long, sendo limitado ao norte pela Calçada do Gaio, na altura por onde passava a muralha que noutros tempos cercava a antiga cidade. Todo este terreno foi outrora ocupado por uma extensa e densa mata e, como há trezentos anos, a cidade era ainda pouco povoada, no intuito de se fomentar o seu desenvolvimento populacional, foi permitido a um grupo de imigrantes chineses, de apelidos Mak, Tch'iu e Léong, estabelecerem-se ali. Este minúsculo núcleo inicial conseguiu transformar, com o tempo, o local, numa aldeiazinha e os seus componentes viviam da venda da lenha que podavam na mata e cujas altas e frondosas árvores que a cercavam estavam sempre cobertas de pássaros que alegravam o bosquete com a sua chilreada, dando ao sítio um aspecto de parque. Foi por esse motivo que os chineses deram ao local o nome de Thèok-Tchai-Un que quer dizer Jardim dos Passarinhos".

Fonte:
P. Manuel Teixeira. Toponímia de Macau, vol 1. Instituto Cultural de Macau, 1997

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Os acontecimentos do Um, Dois, Três

Fotografia retirada da Revista Macau, II Série, nº 5, Setembro de 1992


Era então governador o brigadeiro Nobre de Carvalho, cujas funções iniciara a 25 de Novembro de 1966. No discurso de posse afirmara não tolerar interferências e actos que pusessem em causa as relações de boa vizinhança com a China comunista.
Contudo, a tensão política "atingia o rubro, fomentada particularmente pelas escolas chinesas locais permeáveis à propaganda da Grande Revolução Cultural Proletária que incendiava a China"(1). E, na manhã de 30 de Novembro, um grupo de alunos da escola Hou Kóng desfilava até ao Palácio do Governo, invadia os corredores e recitava, em voz alta, passagens do Livro Vermelho de Mao Tsé Tung.

Na origem dos acontecimentos esteve um embargo às obras de ampliação de uma escola na vila da Taipa, pertencente à Associação de Moradores local (Kai Fong), que, ignorando a ordem, prosseguira com os trabalhos. Uma primeira força policial seria recebida com insultos e alvejada "com pedras, tijolos e garrafas lançadas pelos manifestantes". Mais tarde, perante as forças da polícia de choque, registava-se uma violenta confrontação, "em que, alegadamente, ficaram feridas 40 pessoas e detidas 64"(2). Face à "excessiva violência da polícia", o grupo de manifestantes, exige que o governo se retrate "com a apresentação formal de um pedido de desculpas" (3).
No dia 30 de Novembro, à noite, num comunicado à população, o Governador anunciava a abertura de um inquérito aos incidentes da Taipa, declaração que não foi aceite pelos manifestantes.

Os dias 1, 2, e 3 de Dezembro ficavam marcados por confrontos de rua, que levaram à declaração da lei marcial e que se saldaram, segundo os números oficiais, em 8 mortos e 123 feridos.
Na Praia Grande, junto ao Palácio do Governo e à repartição das Finanças registavam-se confrontos com a Polícia. A estátua do navegador Jorge Álvares era danificada e a do Coronel Mesquita derrubada. Os edifícios da Santa Casa da Misericórdia, onde funcionava o Cartório Notarial, e do Leal Senado foram invadidos e danificados. Foram, ainda, destruídos documentos e livros que se encontravam na Biblioteca Municipal do Leal Senado, que, segundo o Padre Teixeira, perdeu um terço dos seus manuscritos. Seguiu-se, depois, uma tentativa de assalto à Central da Polícia de Segurança Pública, na Rua Central, na qual os manifestantes utilizaram uma camioneta como meio de protecção. Aqui, um agente da polícia, desobedecendo às ordens para não disparar, "visou o motorista e o matou. A camioneta, desgovernada, começou a recuar pelo seu próprio peso e aquele magote de pessoas debandou"(4).

Diversas famílias refugiavam-se na Fortaleza do Monte e no Hospital Conde de S. Januário. "Têm lugar cenas caóticas e de pânico junto aos cais do Porto Exterior devido a que centenas de pessoas se querem refugiar em Hong Kong"(5) e o governador apelava à população para não se deixar influenciar pelos rumores. Apesar dos apelos, em Janeiro (17.01.67), "cerca de 600 portugueses e 1000 chineses, estes na sua maioria partidários do regime nacionalista da Formosa (...) refugiam-se na colónia britânica"(6). Dias depois, iniciava-se o boicote contra portugueses, com o objectivo de obrigar as autoridades a assinarem os documentos de capitulação: recusa de venda de quaisquer mantimentos e comestíveis, de água, electricidade, gasolina e transportes. "Mas, à parte o incómodo que isso provocava, o facto que maior angústia me causou, pelo menos para mim, foi a decisão de estender o bloqueio aos barcos da carreira para Hong Kong, cujo porto e aeroporto constituíam, à altura, a única porta de escape numa última emergência" (7).

A 29 de Janeiro decorria, no edifício da Associação Comercial, a cerimónia de assinatura dos documentos que punham fim ao incidente mais violento da Revolução Cultural chinesa em Macau(8).


(1) João Guedes. "O Um, Dois, Três". Revista Macau, II Série, nº 5, Setembro de 1992
(2) (5) (6) (8) Beatriz Basto da Silva. Cronologia da História de Macau, Século XX, Volume 5, Macau, 1998
(3) Geoffrey C. Gunn. Ao Encontro de Macau. CTMCDP e Fundação Macau, 1998
(4) e (7) Depoimento de Rodrigo Leal de Carvalho in Fernando Lima e E. Cintra Torres. Macau Entre Dois Mundos. Editorial Inquérito e Fundação Jorge Álvares, 2004

Sobre os confrontos na Taipa, consultar o excerto do texto de José Pedro Castanheira, "Os Confrontos na ilha da Taipa", publicado no blogue Macau Antigo.

terça-feira, 6 de julho de 2010

A guerra do "Chau-min"

"Das janelas do Liceu via-se grande agitação diante do Palácio do Governo.
- Viraram o carro da água da polícia! Gritou, de repente, um aluno que erguera a cabeça e espreitava o burburinho... Professora, olhe, olhe, estão a entrar no Palácio e a empurrar os polícias...
De livros vermelhos na mão, os hong wái peng, aos quais se associara grande multidão e chineses de todas as idades, haviam entrado de roldão no Palácio do Governo, subindo as escadas e partindo à sua passagem os grandes vasos antigos que decoravam o átrio e a escadaria de acesso ao primeiro andar.
Os pedaços de porcelana pintada pareciam gemer ao quebrarem-se com aquele tilintar inconfundível de louça chinesa antiga.
Alguém, usando um megafone, comandava a turba. Eram gritadas passagens do Livro Vermelho de Mao Tsé Tung: bíblia dos hong wái peng. Punhos no ar, gritos contra os imperialistas, tigres de papel, e muitos vivas ao grande lider chinês.
A polícia tinha ordens para não usar violência. Defendidos apenas com escudos de rotim, um grupo de antigos militares europeus, que haviam ficado em Macau na Polícia, entraram pelas traseiras do Palácio e conseguiram expulsar os intrusos à força de punhos, os quais, a bem da verdade, em grande parte fugiram. Fez-se um grande vazio em frente do palácio. Um cordão de polícia sustinha a turba que enchia a Praia Grande até ao Palácio das Repartições. Uma ambulância do Hospital chinês e um médico estavam parados à porta do Palácio. E o médico afirmava ao Secretário do Governador, que o atendia em plena rua, que havia feridos e talvez mortos no interior do Palácio e exigia entrar...

O grito tá-sei tornou-se palavra de ordem. E os hong wái peng dispersaram-se pela cidade espancando os europeus que consideravam opressores dos chineses, invadindo algumas casas e repartições públicas, rasgando arquivos, queimando carros, destruindo móveis e louças, tudo o que lhes surgisse adiante e que fosse português.
Apearam a estátua do Coronel Mesquita no Largo do Senado e a própria cabine telefónica adiante do edifício dos Correios foi destruída, ficando no local apenas o soco rente ao empedrado do passeio. A situação estava a tornar-se insustentável, pois parecia esboçar-se uma certa anarquia e instalar-se um ambiente de terror na Cidade, quando a multidão, protegida por um camião pesado, avançou para a Central da Polícia, onde se encontrava armamento. Continuava a não haver ordem para disparar. E a camioneta avançava. Que seria da cidade se os chineses ocupassem a Central da Polícia?
O Governador e os seus principais conselheiros, incluindo o Comandante da PSP, não saíam do Palácio, protegidos pela polícia e pela tropa. Foi mandado também um pelotão armado de metralhadoras para proteger a residência do Governador, em Santa Sancha.
As famílias dos militares foram mandadas recolher ao Quartel General. E finalmente, quando um guarda português, desobedecendo às ordens que recebera, atirou ao chassis da camioneta e pôs os chineses em debandada, defendendo da invasão a Central da Polícia, o Governador e os seus Conselheiros, amedrontados, resolveram puni-lo, mas dar mão livre à tropa.
A tropa saiu. Foi declarado estado-de-sítio com recolher obrigatório. Houve confrontos. Morreram sete chineses. Começaram as conversações, pois aquela instabilidade não convinha a ninguém. Todos os estabelecimentos públicos foram cobertos de papéis escritos em chinês com dísticos ofensivos. O próprio Liceu, as igrejas e os cemitérios não escaparam.
(...)
Começou a debandada. Em pânico, houve quem tendo numerosos filhos, fugisse com tanta precipitação que deixou dois deles esquecidos em casa de um vizinho, onde estavam a brincar. Pateticamente, alguns oficiais de joelhos, ofereceram às mulheres as espadas, antes delas partirem.
Iam morrer todos numa guerra inglória, numa guerra do Chau-min, como o impagável Senhor Alecrim, da Emissora local, lhe chamaria depois.

(...)
Num meio dia de Janeiro foi assinado o Acto de Culpa pelo Governador de Macau e entregue a pesada indemnização que os capitalistas mais interessados nos lucros obtidos em Macau pagaram de bom grado.
(...)
Muitos panchões, muita festa. Acabou-se o terror. A vida voltara à normalidade. Calaram-se os altifalantes que, no Largo do Senado, vomitavam injúrias contra os portugueses, numa tentativa de lavagem colectiva de cérebros. Acabaram-se as marchas e as representações de rua. Pelas paredes, amareleceram e caíram os papéis injuriosos. O papel com que haviam coberto o rosto do busto de Camões, foi arrancado. Só a mão da estátua de Jorge Álvares, que fora partida, não voltou a aparecer. E a estátua de Mesquita, prudentemente, ou cobardemente, não voltou ao seu lugar no Largo do Senado.
(...)
Ana Maria Amaro. "A Guerra do Chau-min" in Aguarelas de Macau. 1960-1970. Cenas de Rua e Histórias de Vida. CTMCDP e Fundação Macau, 1998

Notas da Autora:
Chau-min - Prato de aletria de farinha de arroz, muito popular em Macau, onde era dos mais económicos, adquirindo-se, até, por alguns avos nas "Cozinhas ambulantes da Cidade.
Hong wái peng - Guardas vermelhos
Tá sei - Mata!