quarta-feira, 7 de julho de 2010

Os acontecimentos do Um, Dois, Três

Fotografia retirada da Revista Macau, II Série, nº 5, Setembro de 1992


Era então governador o brigadeiro Nobre de Carvalho, cujas funções iniciara a 25 de Novembro de 1966. No discurso de posse afirmara não tolerar interferências e actos que pusessem em causa as relações de boa vizinhança com a China comunista.
Contudo, a tensão política "atingia o rubro, fomentada particularmente pelas escolas chinesas locais permeáveis à propaganda da Grande Revolução Cultural Proletária que incendiava a China"(1). E, na manhã de 30 de Novembro, um grupo de alunos da escola Hou Kóng desfilava até ao Palácio do Governo, invadia os corredores e recitava, em voz alta, passagens do Livro Vermelho de Mao Tsé Tung.

Na origem dos acontecimentos esteve um embargo às obras de ampliação de uma escola na vila da Taipa, pertencente à Associação de Moradores local (Kai Fong), que, ignorando a ordem, prosseguira com os trabalhos. Uma primeira força policial seria recebida com insultos e alvejada "com pedras, tijolos e garrafas lançadas pelos manifestantes". Mais tarde, perante as forças da polícia de choque, registava-se uma violenta confrontação, "em que, alegadamente, ficaram feridas 40 pessoas e detidas 64"(2). Face à "excessiva violência da polícia", o grupo de manifestantes, exige que o governo se retrate "com a apresentação formal de um pedido de desculpas" (3).
No dia 30 de Novembro, à noite, num comunicado à população, o Governador anunciava a abertura de um inquérito aos incidentes da Taipa, declaração que não foi aceite pelos manifestantes.

Os dias 1, 2, e 3 de Dezembro ficavam marcados por confrontos de rua, que levaram à declaração da lei marcial e que se saldaram, segundo os números oficiais, em 8 mortos e 123 feridos.
Na Praia Grande, junto ao Palácio do Governo e à repartição das Finanças registavam-se confrontos com a Polícia. A estátua do navegador Jorge Álvares era danificada e a do Coronel Mesquita derrubada. Os edifícios da Santa Casa da Misericórdia, onde funcionava o Cartório Notarial, e do Leal Senado foram invadidos e danificados. Foram, ainda, destruídos documentos e livros que se encontravam na Biblioteca Municipal do Leal Senado, que, segundo o Padre Teixeira, perdeu um terço dos seus manuscritos. Seguiu-se, depois, uma tentativa de assalto à Central da Polícia de Segurança Pública, na Rua Central, na qual os manifestantes utilizaram uma camioneta como meio de protecção. Aqui, um agente da polícia, desobedecendo às ordens para não disparar, "visou o motorista e o matou. A camioneta, desgovernada, começou a recuar pelo seu próprio peso e aquele magote de pessoas debandou"(4).

Diversas famílias refugiavam-se na Fortaleza do Monte e no Hospital Conde de S. Januário. "Têm lugar cenas caóticas e de pânico junto aos cais do Porto Exterior devido a que centenas de pessoas se querem refugiar em Hong Kong"(5) e o governador apelava à população para não se deixar influenciar pelos rumores. Apesar dos apelos, em Janeiro (17.01.67), "cerca de 600 portugueses e 1000 chineses, estes na sua maioria partidários do regime nacionalista da Formosa (...) refugiam-se na colónia britânica"(6). Dias depois, iniciava-se o boicote contra portugueses, com o objectivo de obrigar as autoridades a assinarem os documentos de capitulação: recusa de venda de quaisquer mantimentos e comestíveis, de água, electricidade, gasolina e transportes. "Mas, à parte o incómodo que isso provocava, o facto que maior angústia me causou, pelo menos para mim, foi a decisão de estender o bloqueio aos barcos da carreira para Hong Kong, cujo porto e aeroporto constituíam, à altura, a única porta de escape numa última emergência" (7).

A 29 de Janeiro decorria, no edifício da Associação Comercial, a cerimónia de assinatura dos documentos que punham fim ao incidente mais violento da Revolução Cultural chinesa em Macau(8).


(1) João Guedes. "O Um, Dois, Três". Revista Macau, II Série, nº 5, Setembro de 1992
(2) (5) (6) (8) Beatriz Basto da Silva. Cronologia da História de Macau, Século XX, Volume 5, Macau, 1998
(3) Geoffrey C. Gunn. Ao Encontro de Macau. CTMCDP e Fundação Macau, 1998
(4) e (7) Depoimento de Rodrigo Leal de Carvalho in Fernando Lima e E. Cintra Torres. Macau Entre Dois Mundos. Editorial Inquérito e Fundação Jorge Álvares, 2004

Sobre os confrontos na Taipa, consultar o excerto do texto de José Pedro Castanheira, "Os Confrontos na ilha da Taipa", publicado no blogue Macau Antigo.

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