segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

A ilha de Coloane - por Raquel Soeiro de Brito


"Avenida". Vila de Coloane, ca. de 1960. 
Fotografia de Lei Chiu Vang do álbum Visita ao Passado
Museu de Arte de Macau e Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais. 2004


A ilha de Coloane

"A ilha de Coloane, situada a 6 km ao sul de Macau, é um arco granítico formado por uma série de picos, de que o mais alto, aberto a sul-sudeste, tem 173m, separados uns dos outros por colos estreitos a alturas compreendidas entre os 50 e os 110 m (fig. 8). A costa é abrupta, à excepção da baía de Hac-Sá, a sudeste, e de pequenos anfiteatros formados pela junção de linhas de água, de que os mais importantes são Ká-Hó, Siac Pai Van, Tai Van e Coloane. É o mais extenso e menos povoado dos três territórios: 6,6 km2 de superfície, 2800 habitantes (1960) praticamente repartidos pela vila de Coloane, 1660, e pelas duas aldeias, Hác-Sá, 220, e Ká-Hó, 240. Todos os importantes lugares povoados se situam, pois, perto das melhores enseadas e são rodeados por um aro de culturas que começam por hortas junto das casas, e depois quase sempre arroz disposto em socalcos, mais ou menos estreitos, que trepam pelas encostas até onde os riachos e as nascentes podem fornecer água necessária a esta cultura. Apenas uns 40 ha (6 p. 100 da superfície) estão sujeitos a cultura regular, sendo o arroz a mais importante. Este é sempre plantado primeiro em viveiro cuidadosamente estruturado e, depois de umas três semanas, passa então aos tabuleiros definitivos; as espécies mais empregadas ficam na terra cerca de três meses, procedendo-se a uma monda sensivelmente a meio tempo. Fazem-se geralmente duas sementeiras por ano: em Março e em Julho; logo em Novembro se dá novo arranjo à terra para a produção de horta até ao mês de Março seguinte: há que aproveitar ao máximo toda a terra, que a gente é muita e o espaço agrícola reduzido.
Nas aldeias e lugares as casas são juntas em pequenos núcleos familiares, por entre os quais se insinuam os pedacitos de horta. As casa são térreas, de tejolinho de cutelo, como é tradicional no Sul da China, geralmente de planta rectangular e telhado de duas ou quatro águas. Este é sempre de telha plana, sendo as juntas protegidas por telhas de "meia cana", sucessoras dos antigos bambus partidos ao meio. Portas pequenas e estreitas e poucas aberturas para o exterior deixam sempre a casa com luz escassa. Além da sala - onde noite e dia ardem "pivetes" e lamparinas - e da cozinha, todas as outras dependências servem para guarda de utensílios e para dormir, abrindo-se os "burros" em qualquer canto e arrumando-os de dia contra qualquer parede.
A vila é pequena:  duas ruas paralelas entre si e à baía, ligadas por algumas pequenas transversais. Em quase todas as casas, tal como sucede no bairro do Bazar, na cidade, os pisos térreos são dedicados ao comércio: na rua fronteira à baía, quase só para o negócio da pesca; nas outras, para o comércio em geral. Em qualquer caso, os andares superiores são destinados à habitação. Tal como as aldeias, a vila termina por uma cintura de terrenos de cultura e só se distingue daquelas por ser maior, possuir casas de andar e pelo intenso movimento ligado à pesca. E porque aqui tudo está mais concentrado do que na cidade temos a ilusão de o movimento ser ainda maior, principalmente ao cair do dia e às primeiras horas da noite, quando se ultimam os preparativos para a faina.

"Remendando uma rede de pesca".  Ka-Ho, Coloane. Ca. 1970. 
Fotografia de Lei Chiu Vang do álbum Visita ao PassadoMuseu de Arte de Macau e Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais. 2004

Ao norte da vila e separado dela por um pequeno morro fica um velho estaleiro de construção naval, pertença de uma família de construtores que há cerca de dois séculos aqui se estabeleceu, vinda da ilha fronteira da Lapa, que continua fazendo e remendando barcos pelos tradicionais processos, entre os quais os de arqueação pelo fogo.

"Estaleiro em Coloane". Ca de 1970.  
Fotografia de Lei Chiu Vang do álbum Visita ao Passado
Museu de Arte de Macau e Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais. 2004
O interior da ilha é completamente desocupado e, como praticamente não tem vegetação, é presa fácil de erosão, que cava enormes grotas por onde, no tempo da chuva, rolam as águas em turbilhões, arrastando atrás de si massas enormes de material arrancado, descarnando a ilha com enorme rapidez. Urge, por isso, proceder ao repovoamento florestal, o que começou a fazer-se nos últimos anos.
Raquel Soeiro de Brito. "Achegas para a Geografia de Macau". Revista da Junta de Investigação do Ultramar, nº 81 (Colóquios sobre as províncias do Oriente. Volume 2), 1968. 

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