quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

António Manuel Couto Viana: no Bazar macaense


"(...)
Vida e morte se enlaçam e trepidam e fervilham por ruas e praças, que, a partir dali, se espalham numa área ampla, onde se impõe o colorido e alarido do Bazar macaense. Bulício pitoresco e odoroso a evolar-se das pequenas tendas: umas, álacres de frutos tropicais (a tangerina, a banana, a manga, a papaia, o ananás...), outras, reclinando, nas névoas gordurosas, alimentos quase minúsculos, de que não se consegue decifrar os ingredientes e os subtis condimentos.
E o estendal de roupas, o amontoar do calçado, das plantas e flores, de velharias semeadas pela azáfama dos tintins,  no centro das ruas, nos passeios, nas lojas escancaradas à curiosidade e à cobiça.
O poeta perde-se por estes dédalos, aspira estes aromas, deixa perder o olhar por estes tesoiros decadentes, ganha inspiração para novos versos:

Mergulho na vida, na voz deste bazar
Com lojas, tendas, vendedores de rua:
É um rio de rumor e de cor, tentacular,
Que flui, eflui e, de repente, estua.
Afoga-me o fascínio da faiança, do jade,
Dos electrónicos subtis, sofisticados,
Dos adivinhos da felicidade,
Com óculos severos de letrados. 
Aqui, na margem de um afluente,
Junto de velhos móveis, de ferragens, de moedas,
De um deus irado, de outro sorridente,
Ambos sujos de pó, nuns farrapos de sedas. 
De um disco fatigado de rock, da legenda
Que eu não decifro, com provérbios chins,
Senta-se atento à mão que ávida se estende
O homem dos tintins
(Viu ele um português, pertinaz e sem pressa,
De olhar estranho, magro, a longa barba preta,
Descobrir, entre o inútil, o valor de uma peça,
Com a ciência de sábio e arte de poeta?) 
Além, fumega e aromatiza o gosto
A tenda dos petiscos. Tentação!
Como tudo apetece, quando exposto!
Mas, comê-lo... Não sei se sim ou não.
Mais além, Hong-Kong, no templo do Bazar,
Um bom mercado ao mercador promete.
E ele, submisso, lhe vem pôr no altar
A tangerina, a flor, e lhe acende o pivete. 
Entro no Loc-Koc, "casa de tomar chá".
No alvor das madrugadas,
É uma gaiola imensa, durante o iam-chá,
Servido entre gorjeios de asas excitadas. 
Lá fora, o riquexó, hoje triciclo, rasa
A multidão: persegue uma nesga de espaço,
Levando a rapariga a caminho de casa,
Com sacos das compras no regaço. 
E ao ritmo da rua e da emoção,
Os meus olhos descobrem, deslumbrados,
Navegando ao pulsar do coração,
Um navio vermelho de caracteres doirados. 
(...) 
António Manuel Couto Viana. O Poeta no Oriente do Oriente. Instituto Internacional de Macau. Colecção Mosaico, Volume V, 2007



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