Travessa do Armazém Velho: liga a Rua da Tercena à Rua das Estalagens, mesmo em frente à Travessa do Pagode. Foi, em tempos, uma artéria de grande movimento, devido ao comércio de antiguidades e bric-a-brac, bem como às cozinhas e tasquinhas ambulantes. Conta Gonzaga Gomes, em Curiosidades de Macau Antiga, que era dificílima a sua travessia pelas inúmeras tendinhas de velharias e comidas que nela se situavam. E, apesar disso, era frequentada «pelos coleccionadores de raridades, que se aventuravam a entrar nela com o fim de pesquisarem entre a imundice daquelas sórdidas tendas e lobregas baiúcas, preciosidades dos reinados de Hóng-Hêi ou de K'in-Lông, quando não são ludibriados na aquisição de um reles bronze, que, o vendedor ignaro, mas convincente, explorando a vaidosa presunção e a viciosa obsessão do comprador, impingir como raro e genuíno Tchâu, dinastia duas vezes milenária do período semi-histórico do império chinês»*.
Lán-Kuâi-Lâu é o seu nome em chinês, que «soa estranho e sugestivo». Lán significa quebrada ou arruinada; kuâi diabo e lâu andar ou casa. Lán-Kuâi-Lâu poderia, então, significar «rua da casa arruinada e endemoninhada». Mas não. Segundo Gonzaga Gomes, é outra a origem do nome e relaciona-se com a vinda da América de um emigrante chinês, que aí se instala e constrói a sua habitação, ao gosto ocidental. Esclarece o autor de Curiosidades de Macau Antiga que, noutros tempos, as casas eram «construídas de forma a que, vistas de lado, se pareciam com a letra kâm», que significa ouro.
Ora, a casa do emigrante, foi a primeira em estilo ocidental, com dois andares e varandas. «Como os chineses costumam referir-se aos estrangeiros com o depreciativo epíteto de kuâi, que significa "diabo", e como aquela casa era a única em estilo europeu que aparecia naquele sítio, passaram os mesmos a designá-la com o nome de kuâi-lâu que intrinsecamente significaria "casa do diabo", mas que, na realidade, significa simplesmente "casa estrangeira", ou melhor, "casa em estilo estrangeiro"»*.
Mais tarde, já a casa se encontrava alugada a outro emigrante, «homem de poucos escrúpulos», que fazia fortuna à custa do negócio da emigração e que maltratava os emigrantes a ponto de os designarem por "porquinhos" - tchu-tchai, a casa passou a ser conhecida por tchu-tchâi-kún, isto é, o depósito dos porquinhos.
O incêndio de 26 de Janeiro de 1835 no Colégio de São Paulo, que em duas horas destruiu o Colégio e a Igreja, propagou-se e a casa de Kuâi-Lâu ficou reduzida a escombros. A casa, que por muito tempo permaneceu em ruínas, recebeu, então, o nome de Lán-Kuâi-Lâu, ou seja, "ruínas da casa em estilo estrangeiro".
*Luís Gonzaga Comes, «Curiosidades de Macau Antiga: Lán-Kuâi-Lâu», in Renascimento, Junho de 1945
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