quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Passeio de triciclo à chuva

Passeio de triciclo à chuva. Avenida de Almeida Ribeiro, ca. de 1960
Fotografia de Lei Chiu Vang, do álbum Visita ao Passado.

"(...) Quanto aos passeios de sam-lun-ché nas tardes de domingo, aí a professora-de-inglês a emparceirar com a vizinha de quarto. E sem que houvessem feito qualquer promessa, Ester e Xiao Hé Huá. Não. Tudo começando por uma coincidência, melhor um equívoco. Certo domingo, uma delas a chamar um triciclo a meio de Sam-Ma-Lou e meia dúzia de passos adiante a outra em igual situação. O veículo parou entre as duas. É seu, disse Xiao. Não, você estava primeiro. Teimaram. Por favor! Por favor! Assim uns segundos de delicadeza. Verão. Chovia a potes. Muito pretendido, àquela hora, muito requisitado, o condutor: tlim-tlim! Grosseiro, o condutor? Dava-se-lhe um desconto. Pang-yau de manhã à noite a pedalar de costas curvadas, que ganhava o pobre que lhe sobrasse para cortesia? Elas pelo menos assim o entenderam, pulando uma atrás da outra para dentro do coche, rápidas, encharcadas, a abrigar-se, a enxugar o rosto molhado. Para onde quer ir?, perguntou então a professora da Escola Chinesa. Ora, para onde quero ir!... Num domingo de chuva em Macau tudo quanto se podia desejar era um sam-lun-ché, não era? Riram, radiantes, e não só por terem conseguido transporte como pelo encontro, pela convivência. Abotoavam as bandas do oleado que as cobria da cabeça aos pés. Diga-lhe que nos leve sem destino, queremos é matar o tempo!, propôs Ester. Sem destino? Xiao franzia o sobrolho. Não. Isso sem destino o homem não compreendia."
Maria Ondina Braga. Nocturno em Macau. Editorial Caminho, 1991

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