XIII
Um encontro inesperado
Por algum tempo caminharam os dois homens em silêncio, entregues, cada um, aos seus pensamentos, até que Lau-Sin, num dado momento, interrogou de surpresa o seu companheiro, do seguinte modo:
- Sabes onde fica a várzea "Man-Fong"?
- Sei! - respondeu embaraçado o seu interlocutor.
- Julgas que Chau-Seng foi sincero nas suas informações? - perguntou o polícia, segurando o seu companheiro com violência por um braço.
- Chau-Seng nunca é sincero. É o pirata mais desleal e traiçoeiro que conheço. Julgo que deverás pôr de parte a ideia de te encontrares com Cheng-Cheong-Van.
- Mas supões que Cheng-Cheong-Van tenha sido o assassino do bonzo Lau do Templo de Á-Má, e que fosse ele quem roubou a imagem da Santa Venerada? - insistiu Lau-Sin.
A-Sou, que assim se chamava o companheiro do polícia, baixando a voz, disse:
- Não pronuncies tão alto o nome desse facínora. Cheng-Cheong-Van é o maior criminoso que conheço. Chau-Seng tem-no sempre às suas ordens e duvido muito que o pirata seja estranho ao roubo da imagem, isto é, se Cheng foi quem de facto praticou o roubo.
- Julgas que somos vigiados? - interrogou Lau-Sin.
- Tenho a certeza de que, de hoje em diante, seremos vigiados, e parece-me que deverias deixar para amanhã o assalto ao Templo de Tin-Hau.
- Não, meu rapaz! - atalhou o polícia. - Eu não estou acostumado a contrariar os meus desejos e a desfazer os meus planos por temor de piratas e facínoras.
- Espera! - exclamou A-Sou. - Vês aquele homem que acaba de sair daquela casa? Ou muito me engano ou é o bonzo Chan. Deve andar a tratar de qualquer negócio pouco sério.
- Espera aqui! - disse o polícia. - Vou apanhá-lo de surpresa.
- Cuidado! - disse A-Sou.
Já o polícia, apressando o passo, tinha cortado o caminho por uma ruela e estava fora da vista do seu companheiro.
A-Sou, no entanto, seguia mais de perto o bonzo que, confiado de que não era vigiado, dobrava desprevenido a esquina dum prédio, que tinha fachada principal para a Tai-Ma-Lou.
No momento em que o bonzo passava junto à porta desse prédio, último do quarteirão central da Avenida, sentiu que um braço forte o agarrava por um ombro e, ao voltar-se, viu que o cano dum revólver lhe era apontado ao peito.
Dominando o embaraço, que a surpresa lhe causara, Chan, humildemente, disse:
- Que desejas tu dum pobre bonzo que não tem outra riqueza que não seja a do Céu?
Lau-Sin, sem delongas nem preâmbulos, usando ainda de mais violência, disse:
- Entrega-me o que levas contigo e não procures oferecer resistência pois, caso contrário, meto-te duas balas no peito.
- Eu nada trago comigo! - disse o bonzo que, fingindo ter escorregado, esteve prestes a escapar-se das mãos do polícia.
Este, porém, vibrou-lhe uma pancada violenta com o revólver na cabeça e, ao senti-lo desfalecer, apoderou-se do embrulho que o bonzo levava consigo.
A-Sou chegava nesse momento e Lau-Sin, segurando no embrulho com cuidado, disse:
- Agarra este homem e não o deixes fugir, que eu vou ver se a sorte me favorece.
Uma exclamação delirante do polícia desviou a atenção de A-Sou e o bonzo, como por magia, escapava-se-lhe das mãos fugindo pela Avenida.
- Deixa-o ir - disse Lau-Sin. - Já tenho o que procurava. Eis a imagem venerada do Templo de A-Má. Agora só me resta descobrir o assassino do bonzo Lau. Vem comigo à minha hospedaria e aí estudaremos um plano que tenciono pôr em prática.
Os galos cantavam longe, e nem uma única luz, nos prédios da cidade, quebrava o mistério da escuridão da noite.
Francisco de Carvalho e Rêgo. O Caso do Tesouro do Templo de A-Má. Macau, Imprensa Nacional, 1949
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