segunda-feira, 13 de agosto de 2012

O Caso do Tesouro do Templo de Á-Má (XVI)


XVI
A surpresa


O embate dos corpos, no solo, indicava que os dois adversários não se largavam e que ambos estavam empenhados numa luta de morte.
Ora um corpo se projectava de encontro a um móvel, que tombava, ora o tenir de metais denunciava que ambos se encontravam armados e procuravam fazer uso das armas que possuíam.
Os guardas, por vezes, lutavam uns contra os outros, julgando baterem-se com A-Sou que, arteiramente, procurava intrometer-se na luta que se travava entre Lau-Sin e o pirata, com o único fim de auxiliar aquele.
Não era porém possível a A-Sou distinguir, na escuridão em que se encontrava o aposento, o que quer que fosse que lhe permitisse pôr em prática o seu desejo e ainda, de quando em quando, era atingido com violentos pontapés que o lançavam de encontro aos móveis, já todos desarrumados.
Pouco a pouco, porém, sobre o pavimento, a luta já não era tão movimentada e percebia-se que um dos adversários dominava. As pragas davam lugar a gritos abafados e roucos que se iam extinguindo.
- Uma luz! Uma luz! Tragam uma luz! - gritava um dos guardas.
Pelas frestas das janelas do aposento começava a coar-se luz vinda do exterior e, quanto mais acentuada ela se tornava, mais intrigados ficavam todos aqueles que sabiam que não era possível que qualquer auxílio lhes pudesse ser enviado.
Quase que instantaneamente foram arrombadas as portas do aposento que davam para o exterior e, com surpresa geral, Vong-Seng-Kuong, seguido de uma dezena de polícias bem armados e alguns munidos de lanternas acesas, aparecia à porta principal dando a todos voz de prisão.
A surpresa inesperada paralisou todos os movimentos e as atenções dirigiram-se para o pavimento do aposento onde o quadro era impressionante:
Lau-Sin, ensanguentado e com o traje e farrapos, dominava Cheng-Cheong-Van que, deitado de costas no pavimento, se apresentava algemado e com o rosto irreconhecível das violentas pancadas que o polícia lhe tinha vibrado. Junto ao corpo de Cheng-Cheong-Van estava um punhal, e Lau-Sin mostrava no ombro direito um golpe profundo, donde o sangue vertia sem cessar.
Lau-Sin tinha vencido o seu inimigo.
- Algemai esses homens - ordenou Vong-Seng-Kuong. E, voltando-se para Lau-Sin, disse:
- Tive que vir visitar-te porque estava cansado de esperar a tua visita.
- Chegaste a tempo, amigo - disse Lau-Sin. - Mas não julgues que não eras esperado. Aqui tens um criminoso terrível, devidamente algemado. Como vês, é boa a polícia de Macau.
Vong-Seng-Kuong, ao reconhecer Cheng-Cheong-Van, exclamou:
- Bom serviço. Há mais de dez anos que procuro este facínora e cumpre-me portanto agradecer-te penhorado o presente que me fazes. - E, virando-se para os seus homens, disse: - Guardas! Levai estes homens e tende o maior cuidado com este que é o célebre criminoso Cheng-Cheong-Van.
Lau-Sin, que se sentia enfraquecer pelo sangue que ia perdendo, disse: - Ajuda-me a atar este lenço sobre este golpe e vamos depressa a uma farmácia qualquer.
Vong-Seng-Kuong, depois de ter operado como convinha, deu o braço a Lau-Sin e, amparando-o, com este se retirou do aposento, deixando, no entanto, dois guardas de vigia à cabana.
Já os guardas caminhavam, amparando alguns criminosos que tinham sido feridos, quando Lau-Sin perguntou: - E A-Sou? Onde está A-Sou.
- Estou aqui - disse A- Sou que, mal podendo caminhar, se arrastava com o peito ensanguentado e apoiado sobre os ombros de dois guardas. - Parece que me apanharam desta vez. Paciência!
- Não, meu amigo - disse Lau-Sin aproximando-se. - Não te apanharam. Vamos já depressa procurar um médico.
E assim seguiu o grupo pelos carreiros da várzea, com destino à cidade.

Francisco de Carvalho e Rêgo. O Caso do Tesouro do Templo de A-Má. Macau, Imprensa Nacional, 1949

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