segunda-feira, 29 de outubro de 2012
Uma Lenda sobre Macau
"Contam que, nos primeiros tempos em que se principiou a povoar o local que veio mais tarde a ser a cidade de Macau, isto é, quando este sítio era ainda uma abandonado ermo, um pescador, tendo terminado a faina do dia, recolhera-se a uma das lapas que havia por essas colinas e que lhe servia de habitação, para preparar o seu jantarinho e para descansar.
Quando terminou a sua frugal refeição e, depois de ter consertado a sua rede de pesca, como já não tivesse mais nada a fazer, deitou-se no chão e, daí a pouco, dormia a bom dormir.
A meio da noite acordou, porém, sobressaltado devido a uma estranho rumor que ora crescia de intensidade e ora diminuía, até ao ponte de se tornar inaudível.
O pescador não sabia a que atribuir aquele intrigante barulho que viera tão despropositadamente perturbar o seu sono.
Cheio de curiosidade, tratou de apurar o ouvido e, tendo-lhe já desaparecido por completo o sono, pôde verificar que tal rumor era causado pelas vozes de duas pessoas que estavam a conversar à entrada da lapa.
O pescador esforçou-se então por se aproximar mais da entrada, mas sem se deixar pressentir, e conseguiu ouvir o que um dos interlocutores dizia, referindo-se a Macau:
- Acho que, não obstante o nome de Hou-Kóng (Rio das Ostras) e de estar rodeado de tantas rochas, dia virá em que desaparecerá este local devido à acção da água salgada que fará desaparecer essas rochas que o suportam.
A outra voz respondeu:
- Estúpido bonzo! Então não vê que as ostras, aderindo-se às rochas as conservam intimamente unidas, conseguindo assim manter entre elas uma forte coesão? Desta forma como é que elas poderão deixar de resistir ao violento embate das ondas?
O pescador percebeu, nesta altura, que se tratava duma discussão entre duas almas doutro mundo. Enchendo-se então de coragem, deixou-se mostrar e, intervindo na conversa, disse, no meio dum suspiro:
- Eu, por mim, acho que os meus semelhantes hão-de juntar-se, a pouco e pouco, para virem residir neste sítio. É claro que aumentando a população em breve desaparecerão todas as ostras que serão procuradas para seu alimento. Portanto não há dúvida que há-de vir um dia em que as rochas que amparam esta exígua faixa de terra se desagregarão e nada obstará então a que o mar a invada, fazendo-a desaparecer por completo.
- Bronco pescador! - disse todo irritado a mais inteligente das duas almas do outro mundo. - Você não vê que, se a população aumentar, também há-de aumentar o número de porcos que os habitantes não deixarão de criar de forma a chegarem para o seu sustento? Ora, o mesmo há-de suceder com as ostras. Esteja, portanto, descansado que elas jamais desaparecerão.
E, a verdade é que, desde então, as ostras nunca deixaram de se reproduzir, tão gordinhas e em tão grande quantidade que não são só exportadas para as cidades vizinhas, onde são muito apreciadas, como fornecem abundante matéria prima para a confecção dos famosos molhos de ostras, um dos mais importantes produtos da indústria local.
Luís Gonzaga Gomes. Lendas Chinesas de Macau. Notícias de Macau. 1951
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