O Ching Ming, ou Qingming Festival, ou Qing Ming Jie, realiza-se no 106º dia após o solstício de inverno (a 4 ou 5 de Abril), e é o dia para recordar e honrar os mortos. No tempo em que Wenceslau de Moraes aqui viveu, existia o chamado «terreno neutro», onde «os chinas de Macau e dos lugares vizinhos» enterravam os seus mortos. Não sei onde se localizava esse «terreno neutro», mas ficava para além das Portas do Cerco, assim o confirma Moraes, já que afirma passar «para além dos nossos domínios». Mas deixem-me transcrever um trecho de Wenceslau de Moraes sobre o «Tsing-Ming» (ou Ching Ming): «Em que misteriosos meandros do desconhecido pairam, por toda a eternidade, os espíritos dos chinas que vão morrendo, não sei eu dizê-lo; (...) É certo, porém, segundo me explicaram pessoas entendidas, que em dada época do ano aqueles espíritos vagabundos se reúnem às velhas ossadas, e ali aprazam as famílias para uma extraordinária conferência. É de estilo e de bom exemplo o não fazer esperar muito os mortos; quem pode, a grande maioria do povo, corre no primeiro dia a celebrar a piedosa entrevista; os retardatários irão no segundo ou terceiro, e o morto esperará; mas desgraçado daquele, tão ímpio de entranhas, que atire ao olvido a memoria do velho parente, pois grandes provações o esperam, acarretadas com a maldição do defunto, cujo espírito cansado de esperar abandonará de vez a poeira dos seus ossos.Ora assim fica explicada a festa do tsing-ming. Considerando que o sentimento que os chinas mais veneram, a essência mesma de todas as suas devoções, é o respeito pelos antepassados, não admira o afã com que eles, no dia do tsing-ming, invadem as montanhas, onde dormem o eterno sono os remotos avoengos. (...) Não é uma cena de desolação e de mágoas, como se podia julgar, mas antes uma festa íntima com um conviva a mais, que vem de longe e tem pressa em retirar-se»*.
Nos dias que antecedem o Ching Ming, as lojas de venda de artigos cultuais estão cheias de uma variedade imensa de objectos, todos feitos em papel – carros, roupas e sapatos, relógios, jogos de mah-jong, casas, mobílias, telemóveis, etc. – que serão oferecidos aos mortos. Todos estes objectos – até comida, em papel, como leitões assados e fruta – serão consumidos pelas chamas. O ritual do Ching Ming inclui, ainda, a visita ao cemitério, a limpeza das campas e a oferta de comida e vinho chinês aos defuntos, que é colocada junto às campas.
Na véspera do Ching-Ming ou dos finados fui ao Chok Lam Si, um templo particularmente interessante, pois é utilizado para cerimónias associadas ao culto dos mortos. Tem um jardim interior, com vários canteiros de bambus, vários vasos com plantas e bonsais, gaiolas com tartarugas e um pequeno lago habitado por carpas.
No interior do jardim, num pequeno anexo, todo envidraçado, encontram-se armazenadas algumas reproduções desses objectos em papel – e lá estava uma casa, com mobílias e electrodomésticos e vários automóveis – que, penso, são para venda. Há também um pequeno balcão onde se vendem pivetes, velas, e diversos papéis coloridos – a dourado, sobretudo -, que são queimados em fornos com a forma de pagodes.
De acordo com a crença chinesa, qualquer indíviduo, quando morre, tem de passar pelo purgatório, antes de ser aceite no paraíso. Por essa razão, os chineses tudo fazem para confortar e consolar as almas dos seus defuntos. As ofertas de bens diversos e de comida têm, pois, esse objectivo. Também o local onde serão enterrados, o cemitério, é cuidadosamente escolhido, em colinas viradas para o mar ou para um vale, tendo por trás uma montanha ou uma colina, que os chineses acreditam ser a morada dos «dragões protectores».
*Wenceslau de Moraes. «Tsing-Ming», in Traços do Extremo Oriente. Lisboa. Livraria Barateira. 2ª ed. 1946
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