segunda-feira, 24 de abril de 2006

Dóci falar di Macau

A quase extinta língua de Macau, o “Macaísta Chapado”, também designada por “Patuá” ou “Papiá Cristã di Macau”, toma, ainda, esta designação deliciosa: “dóci falar di Macau” ou “Dóci Língu di Macau”. Encontro um poema de Adé dos Santos Ferreira (nascido em Macau, em 1919 e falecido em Hong Kong, em 1993), poeta que se distinguiu por escrever neste doce falar de Macau:

Tera di fé, qui Dios j’abençoá,
Casa qui têm sosségo, têm pám;
Fogo sandino pa vêm lumiá
Alma fichado n’iscuridám.

Tera di chiste co formosura,
Retrato di Sol na Primavera;
Riva, Ceu azul; basso verdura;
Fora, mar chám; dentro sánto tera.

Sã Macau! Nôsso bérço cristám,
Jardim na pê di Mundo semeado...
Sã Macau, qui têm su coraçám
N’unga dilúvio di amôr banhado.
(...)
Aqui têm pagode antiquado,
Ali, gréza arto co su sino,
Rua co travessa consertado,
Ornado co casa piquinino.
(...)
Lugar janota, desdi qui ora,
Aqui China, ali Portugal,
Macau champorado já vem fora
Unga jardim qui nom-têm igual.
Tera di fé qui têm coraçám,
Têm alma, inchido di beléza,
Sã Macau! Nôsso bérço cristám,
Di Portugal chistosa princésa.
«Macau, Béleza di Passado» (Dizémbro di 1984)*

O “dóci papiá de Macau” ou “dóci língu di Macau” é, provavelmente, originário de Malaca, do “papia kristang”; leio, num trabalho da Universidade de Hong Kong – «Languages in Contact: Creole morphology» - que, quando da conquista de Malaca pelos holandeses (em 1641) ocorreu a migração de população de Malaca para Macau, essa população – já cruzamento de português com malaio e indiano – terá trazido a sua língua, o papia kristang de Malaca. Mais tarde, no século XVIII, a juntar a esta população, mistura de portugueses, chineses, indianos e malaios, vieram os cristãos do Japão e das Filipinas. Foi nas primeiras décadas do século XX, e com a imposição do português como língua oficial, que a “dóci língu di Macau antigo” começou a perder importância. O macaense José Inocêncio dos Santos Ferreira, Adé, foi o grande divulgador do “macaísta chapado”.

* Macau Di Tempo Antigo (Poesia e Prosa). Edição do Autor. Macau, 1985

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