domingo, 30 de abril de 2006

A Praia Grande

A Praia Grande, que foi a avenida marginal de Macau, desde a Calçada do Bom Jesus até à Estrada de S. Francisco, é, em conjunto com a Avenida da República, património de Macau.

Os sucessivos aterros afastaram-na do mar, e se hoje é marginal deve-se aos dois lagos artificiais que aí foram construídos.
Quando, em 1831, Macau foi devastado por um violento tufão, que causou grandes estragos na cidade e na «principal praia chamada - grande - como das partes juntas», propôs, então, o Senado, que na Praia Grande se alargasse «mais o dito caminho para o mar». Em 1857, escrevia o autor do diário de viagem da embarcação americana Sara N. Snow: «o lugar do desembarque é uma praia ou baía e a rua que corre ao longo num oitavo de milha é muito linda, mas sem uma só árvore e o sol do meio dia era calcinante»(1). Não sei quando lhe colocaram as árvores, nem o Padre Teixeira o informa, mas chama a atenção para uma pintura de Chinnery datada de 1830 - «A Praia Grande Vista do Norte» - onde se erguem frondosas árvores por detrás de algumas casas. Árvores que lá existiam em 1869, quando um tufão as arrancou. Nesse mesmo ano, foi construído um aterro que estendeu a Praia Grande até ao Bom-Parto, enquanto a actual Avenida da República, seria construída no início do século XX.
Por volta de 1910, escrevia Álvaro de Melo Machado, então governador de Macau: «Está-se na avenida da praia grande, a curva naturalmente graciosa como poucas, que a bordo se avistou. A rua é larga; de um lado contornada por uma muralha contínua, onde as ondas vêm bater salpicando as árvores desenvolvidas e frondosas que a acompanham, e do outro por uma longa fila de casario onde se destacam a residência do Governador, o edifício das repartições públicas e algumas casas de arquitectura chinesa.(...) A cidade tem aqui um aspecto muito diferente. Acabou a aglomeração de gente e desapareceram as lojas e os toldos sujos; apenas alguns peões passam descuidadamente, um ou outro vendedor circula procurando atrair as atenções dos moradores ocultos e os jerinkshas particulares, puxados a dois culis em trajos coloridos, rodam silenciosamente e ligeiros no leito macio da avenida plana»(2).
Na praia grande situavam-se as mansões mais elegantes - dos condes de Senna Fernandes, de Pais de Assunção, de Floriano Álvares, de Gonzaga de Melo e de muitos outros, incluindo famílias chinesas ricas. Da casa dos condes de Senna Fernandes, à Praia Grande, que possuía uma «varanda invejável, como já as não há em Macau, admirava-se toda a graciosidade da baía, cujo traçado curvilíneo se estendia do Fortim de S. Francisco até aos granitos do Bom Parto», recorda Henrique de Senna Fernandes(3).
Nesta artéria chique situou-se o Hotel Riviera, demolido em 1971. Era um «imponente edifício», nas palavras do Padre Teixeira, do início dos anos 80 do século XIX, então conhecido por Macao Hotel, e dirigido por Pedro Hing Kee. Senna Fernandes refere-se ao hotel como «Hotel Hing Kee», onde «bebericavam os ingleses», e no Tourist Book de Hong Kong, por volta de 1900, o hotel aparece referenciado como «Macao Hing Kee's Hotel». Um outro escritor, Emílio de San Bruno, descrevia-o assim: «Não era um Hotel de luxo, mas havia em todos os seus serviços, o conforto sólido, sadio, disciplinado e limpo do Hotel inglês. E era china o seu proprietário! Mas tão bem educado na profissão hoteleira que a sua casa faria inveja a mais de um hotel de Lisboa, mantido por lusos e galegos»(4).
Depois da morte de Pedro Hing Kee, e com nova gerência do chinês Kuan Ioc Chan, isto por volta do ano de 1923, passou a ser conhecido por New Macao Hotel. Durou poucos anos, encerrando em 1927. Foi o «empreendedor e activo comendador chinês Lou Lim Ioc»(5) que tomou a iniciativa de reabretura do hotel, então com a designação de Hotel Riviera. Lou Lim Ioc faleceria pouco depois, em Junho desse ano, não assistindo à reabertura do hotel, cujas obras de remodelação prosseguiram sob a orientação do seu irmão Loo Huen Chong. Inaugurado a 15 de Janeiro do ano seguinte, contou entre os convidados com a presença do Governador Tamagnini Barbosa e do Bispo de Macau D. José da Costa Nunes.
Quando da sua estadia em Macau, em 1927(6), Jaime do Inso(7) se intala no «renovado Hotel Riviera, cheio de conforto e bem estar», recorda, ao penetrar «no hall luxuoso e moderno do famoso hotel, o seu antecessor, «triste e frígido, de tectos rotos, solitário como um convento desmantelado». Por essa altura já a Avenida da Praia Grande se encontrava pavimentada - obras que decorreram entre 1924 e 1925 -, «desde a Rua do Campo até à Calçada do Tanque dos Mainatos»(8), como também o jardim de S. Francisco, que Senna Fernandes recorda ter sido o Passeio Público, havia já sido mutilado. «A Fortaleza de S. Francisco, de bataria descoberta, onde algumas velhas peças negrejavam, ainda, pelas ameias, tinha já sido inutilizada pelos aterros que lhe subiam pelas muralhas, e até o pitoresco jardim (...) também já tinha sofrido o carmatelo demolidor do progresso e, cortado, mutilado e devassado, perdera aquele ar de recatado retiro provinciano onde se acolhe o bom burguês a escutar as bandas marciais quando tocam nos coretos»(9).
Com os aterros da Praia Grande, na década dos trinta do século passado, perdeu-se, então, parte da encanto da baía e o Hotel Riviera, que até então se situara à beirinha do mar, viu-se bastante recuado deste.

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Notas:
(1) in P. Manuel Teixeira. Toponímia de Macau. Instituto Cultural de Macau. 1997.
(2) Álvaro de Melo Machado foi Governador de Macau de 1910 a 1912; in Coisas de Macau, citado por P. Manuel Teixeira, Toponímia de Macau. Instituto Cultural de Macau. 1997.
(3) Henrique de Senna Fernandes. Nam Van. Instituto Cultural de Macau. 1997
(4) Emílio de San Bruno. O Caso da Rua Volong. Scenas da Vida Colonial. Lisboa. Tipografia do Comercio. 1928, citado por P. M. Teixeira.
(5) P. Manuel Teixeira. ob. citada. Lou Lim Ioc faleceu a 15 de Junho de 1927, antes de as obras de restauro estarem completas.
(6) Existe uma discrepância entre a data mencionada por Jaime do Inso - 1927 - e a inauguração do Hotel Riviera - 15 de Janeiro de 1928, data mencionada pelo Padre M. Teixeira.
(7) Jaime do Inso. Cenas da Vida de Macau. Instituto Cultural de Macau. 2ª edição. 1997. A primeira edição desta obra data de 1941 (Edições Cosmos, Colecção Cadernos Coloniais)
(8) P. M. Teixeira, ob. citada, p. 72-73.
(9) Jaime do Inso, ob. citada, p. 11

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