The Theatre at Macao / O teatro de Macau
in The Illustrated London News, 17 March 1866
(imagem publicada em Oriente, nº 14, Fundação Oriente, Lisboa)
"Não há edifício permanente para teatro, e o mesmo sucede nas cidades chinesas: parece que só em alguns grandes pagodes há local e construção apropriadas para estes espectáculos, que, em geral, se representam num grande barracão com o tecto angular e muito elevado coberto com esteiras ou colmo; o madeiramento é formado de bambus, fortemente ligados com fios de rotim; é aberto por todos os lados, e só tem uma frágil parede de tábuas no fundo do que chamaremos palco, aos lados do qual correm, paralelas, uma espécie de varandas ou trincheiras com assentos para os espectadores que os querem pagar, e o seu preço para os europeus não excede a um maz de prata, ou um tostão; o espaço intermédio constitui a plateia, sem sobrado nem anfiteatro, com a entrada, toda aberta em frente do palco, gratuita para o povo, que vê o espectáculo de pé e que sempre concorre em multidão. Os indivíduos que ficam na primeira fileira da plateia são obrigados a apoiar-se com as mãos na extremidade do palco, que lhes fica na altura das cabeças, formando como um renque de escoras com os braços nus, para resistirem aos contínuos embates das ondas dos espectadores, os quais, vistos das varandas, formam, apinhados, uma espécie de pavimento composto de cabeças muito unidas,rapadas na maior parte do casco, e que ora são levadas todas numa direcção ora noutra, exactamente como as vagas de um mar banzeiro".
(...)
"Nestes teatros não há pano de boca: as decorações são muito singelas e grosseiras, e as poucas mutações na cena todas se fazem à vista do público; de noite são iluminados com fachos e luzes sobre o tablado. Duram as representações, de dia das onze às cinco da tarde e continuam das sete à meia-noite, ou mais. A representação é continua e não tem os intervalos dos nossos actos; mas há cenas sucessivas que se vão anunciando por uma espécie de cartaz, ou tabuleta, que penduram nuns barrotes, na posição que corresponderia às colunas do proscénio".
(...)
"A orquesta está no fundo do palco e é composta de uma espécie de rebecas, de gaitas com forma e sons semelhantes à clarineta, e de bategas ou timbales, o que produz uma música estrondosa e infernal que acompanha quase constantemente a declamação; junte-se a isto o frequente rebentar dos panchões ou estalos sobre a cabeça dos actores, admiravelmente a propósito no fim das falas ou nas passagens de maiores afectos; e fazer-se-á ideia da bulha confusa e incómoda que se experimenta e que cobre a voz dos actores, apesar de berrarem às vezes extraordinariamente (...)".
Carlos José Caldeira. Apontamentos de uma viagem de Lisboa à China e da China a Lisboa. in Carlos Pinto dos Santos e Orlando Neves, De Longe à China - Macau na Historiografia e na Literatura Portuguesas. tomo II, Instituto Cultural de Macau, 1988.
Carlos José Caldeira (1811-1882) esteve em Macau em 1850-51 e da sua estadia no Oriente resultou o livro de crónicas, publicado em dois volumes em 1852 e 1853, Apontamentos de uma viagem de Lisboa à China e da China a Lisboa.
"Homem dedicado às letras, distinguiu-se com escritor e jornalista, tendo colaborado no Diário de Notícias, Jornal do Comércio, Arquivo Pitoresco, Correio da Europa, Arquivo Universal, Ilustração Luso-Brasileira, Ocidente e Revista Peninsular. Das obras que nos deixou, contam-se, entre outras, Considerações Sobre o Estado das Missões e da Religião na China (1851) e Apontamentos de uma Viagem de Lisboa à China e da China a Lisboa (1852-1853). Esta última obra, dividida em dois volumes, resultou da viagem que realizou à China, quando contava cerca de 40 anos de idade. Partiu em Julho de 1850 com destino a Macau, numa viagem que durou 50 dias, e permaneceu no Oriente até finais de 1851. Os seus Apontamentos são, ainda hoje, uma obra de consulta obrigatória para todos aqueles que se dedicam ao estudo de Macau oitocentista, traçando um interessante retrato sobre aquela cidade e apresentando vivas descrições e profundas reflexões sobre outros espaços onde se fazia sentir a presença portuguesa, quer no Oriente quer em África". Alfredo Gomes Dias. Ditema - Dicionário Temático de Macau, Vol. I, 2010.
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