Festival de A-Má no templo da Barra. Macau, Maio de 2010
No templo de A-Má
Detrás da franja que lhe vela o rosto,
Com seus olhos de amêndoa, vela o porto interior,
Onde veio varar, por um certo Sol-posto,
O junco em que a trazia o pescador.
E o pescador, tornado espanto e medo,
Porque dela se evola o mistério que o invade,
Ao vê-la diluir-se nas penhas, no arvoredo,
Estende-lhe o desejo e a divindade.
E na praia, ao abrigo dos tufões,
O esplendor de um templo ergue a face encarnada,
Encimado pelo ovo e os dragões
E o casal de leões a ladear-lhe a entrada.
É assim que A-Má, já satisfeito o gosto
Da sagrada morada, para a prece e o louvor,
Detrás da franja que lhe vela o rosto,
Com seus olhos de amêndoa, vela o porto interior.
É, no auge do dia que lhe é consagrado,
Povoa-o de bandeiras de juncos e tancares
E ouve as orações de um azul perfumado
E o estrondo dos panchões, afogueando os ares.
Afugenta, em redor, os demónios do céu,
Faz o peixe pular para as redes da fome
E, por maior amor a terra que escolheu,
Pôs-lhe um nome: o seu nome.
E Macau enobrece o nome que lhe é posto,
Enquanto A-Má, temendo-a em garras de invasor,
Detrás da franja que lhe vela o rosto,
Com seus olhos de amêndoa, vela o porto interior.
António Manuel Couto Viana. "No templo de A-Má". Antologia de Poetas de Macau, 1999
Sem comentários:
Enviar um comentário