quinta-feira, 3 de junho de 2010

Blasco Ibáñez no Jardim e Gruta de Camões

Gruta de Camões
Colecção Colonial Marques Pereira e Pires Marinho.
Cerca de 1910
Bilhete Postal publicado em João Loureiro. Postais Antigos de Macau.

"Visitamos por fim o mais interessante para nós, o que nos trouxera a Macau com o atractivo da devoção literária. O governador* mostra-nos o jardim onde se encontra a gruta em cujo interior Camões meditava e escrevia, durante as horas de calor desta região quase tropical. Este jardim tem atractivos iguais aos dos móveis que começam a envelhecer. Nos seus alegretes e bosques misturam-se a melancolia das antigas hortas chinesas e a majestade dos jardins portugueses de Sintra. Vemos estátuas de mandarins que têm a cabeça e as mãos de louça; o resto do corpo é feito de plantas a que os jardineiros com as suas tesouras deram forma humana.
O retiro predilecto do poeta foi desfigurado e banalizado por uma admiração excessiva. A gruta não é mais do que um corredor entre grandes pedras, ocupado agora pelo busto de Camões. Todas as rochas próximas desapareceram sob lápides que têm esculpidos fragmentos poéticos do autor de Os Lusíadas ou versos de autores célebres que o glorificam. Tantas placas de mármore dão a este local, que, com razão, se pode chamar poético, o aspecto antipático de cemitério.
Alguns moradores de Macau, especialmente casais novos, vêm merendar para o histórico jardim e, ao som de um gramofone ou de um harmónio, dançam diante do busto coroado de louros. Não importa; é fácil suprimir com a imaginação essas fealdades da realidade e ver o antigo jardim tal como foi, com os seus bosques em colina, a sua pequena gruta livre de adornos, e meditando, sob o fresco arco, o fidalgo português que perdeu um olho na guerra, soldado heróico como o manco Cervantes, e desterrado de Goa para um dos pontos mais distantes da monarquia portuguesa, então senhora de colónias nas costas de África, no mar das Índias, e nos arquipélagos situados para além do estreito de Malaca".
Vicente Blasco Ibáñez. A Volta ao Mundo. Volume II. Livraria Peninsular Editora, 2ª edição Lisboa, 1944

* Governador Rodrigo Rodrigues (1923-24)


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