quarta-feira, 16 de maio de 2012

O Caso do Tesouro do Templo de Á-Má (II)

II
O crime

Nesse tempo, na velha cidade de Macau, funcionava ainda a Procuratura dos Negócios Sínicos, e era constante a cooperação entre o Procurador e o Administrador do Concelho em muitos assuntos de interesse citadino, podendo considerar-se como de maior importância o respeitante à investigação criminal.
O chefe da Polícia de Investigação era o chinês Lau-Sin, homem experimentado e destemido, muito considerado entre os chineses categorizados da Colónia.
Ao contrário do que era de esperar, o vento rodou para Norte e, desviando da cidade as nuvens chuvosas, abriu caminho ao Sol que, nesse dia dois da primeira Lua, surgiu  claro e brilhante, atenuando com o calor dos seus raios a gelada aragem que corria.
Era ainda feriado em todo a cidade, menos na Procuratura e na Administração, que velavam pela segurança pública.
Dois polícias, despachados a toda a pressa, chamavam com urgência o Procurador, porque um crime de assassinato tinha sido praticado no Templo de Á-Má - à Barra - crime que se ligava ao desaparecimento do Tesouro da Bonzaria.
A arca encontrava-se aberta com os fechos quebrados e, caído junto à parede e por detrás da arca, o velho bonzo Lau, de bruços, premia, de encontro ao lajedo, o cabo de um punhal, que lhe estava bem cravado no peito.
Nada indicava que tivesse havido luta, e o rosto já frio do bom velho deixava transparecer uma ideia fixa de profundo pesar.
Cumpridas as formalidades legais, o cadáver foi removido para o Hospital Chinês, a fim de ser autopsiado, e no local ficou apenas o chefe Lau-Sin que começou a examinar com todo o cuidado a arca e os fechos quebrados até que, arrancando de um deles uma pequena corrente de ouro que segurava um sinete de iôk, chamou o Superior e perguntou-lhe:
- Pertence a este Templo, ou a algum de vós, este sinete?
O Superior, examinando o sinete com a maior atenção, disse:
- Nem ao Templo nem a nenhum de nós, porém, não me é inteiramente desconhecido. Estes dizeres são simbólicos e, não só por este motivo, como ainda pelo seu formato, concluo facilmente que deve pertencer a um chinês da Província de Fu-Kien.
- Pois bem! - exclamou o polícia. - Este sinete pertence ao assassino que, ao debruçar-se para abrir a arca, depois de ter assassinado o velho Lau, por descuido prendeu um elo da frágil corrente de ouro numa aresta do fecho forçado, quebrando a corrente ao erguer-se, quando abria a arca, com o que fez tombar para trás o corpo do assassinado, que caiu de bruços e sobre o punhal, que lhe havia sido cravado no peito.
E, pensando durante uns segundos, continuou:
- Gente da Província de Fu-Kien é geralmente gente do mar. O assassino deve estar entre a população fluvial da Colónia.

Francisco de Carvalho e Rêgo. O Caso do Tesouro do Templo de A-Má. Macau, Imprensa Nacional,1949


Colégio de Bonzos
Bilhete Postal editado pela Procuradoria das Missões. Braga, c. de 1940
in João Loureiro. Postais Antigos de Macau


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