segunda-feira, 21 de maio de 2012

"Uma Procissão Chinesa em Macau"

Legenda: Procissão que percorreu as ruas de Macau em 8, 9 e 19 de Julho de 1903 em honra de Kuang- Tai, custou o transporte pelas ruas, etc. - 37.000 patacas
Pormenor de um desenho de Filipe Emílio Paiva in Um Marinheiro em Macau - 1903 - Álbum de Viagens. Museu Marítimo de Macau, 1997



Uma Procissão Chinesa em Macau
"Anda nas ruas a procissão chinesa em honra do deus Kuang-ti, suponho que é o deus dos Exércitos, por isso durante estes três últimos dias de Julho de 1903, tem vivido, o bairro china, uma contínua agitação e barulho.
Vindos de Cantão, de Sam-Sui, de Hong Kong, de todas as ilhas, da Taipa, da Lapa, de Ma-lau-chau, Coloane, etc., estão continuamente a desembarcar das lorchas, juncos, tancás e vapores, milhares de forasteiros que, risonhos, de fatos ricos, se dirigem para os colaus, hospedarias e restaurantes chineses a tomar lugar, sobraçando leque, sombrinhas e maletas forradas de pele de porco, cestos e embrulhos. Talvez estejam mais de cem mil forasteiros.
No bairro china, ou Bazar, naquelas vielas e estreitas ruas, na Rua da Felicidade, na do Auto, na do Jogo, e noutras, acotovela-se gostosamente uma multidão alegre, de cabeças bem escanhoadas e de rabichos bem entrançados acabando em delicada borla de torçal negro, ou branco, se se está de luto.
Estala a panchonada, e os tantans soam por todas as ruas, vendedores ambulantes ajoujados sob o peso dos tabuleiros e canastras de bambu e rota atravessam a turba e fazem bom negócio com os bolos, frutas, refrescos, chá, sopas diferentes, carnes de porco, patos, galinhas, rodas de ananás, confeitos, pevides, amendoim, enfim mil comestíveis que se compram a ínfimas sapecas.
As pipa-t'-chai, ou sejam rapariguitas gentis que foram desde pequeninas educadas a saber cantar e tocar, e que adornam os colaus com as suas caritas pintadas e penteados cobertos de flores e de alfinetes de pérolas finas, falsas ou não, estrearam cabaias novas ornadas com desenhos e bordados exóticos, e andam doidas de contentes em grupos alegres, correndo nos jerinxás, de lenço bordado e lequezinho nas finas mãos de esfusiados deditos.
(...)
Mas vamos ver a procissão.
Ela aí vem coleando pelas ruas e vielas do Bazar, por entre alas de numeroso povo, a grande procissão exótica, ornamentada com andores esquisitíssimos, cheios de finos e delicados lavores em obra de talha, em cinzelamentos de pratas, em metais cobertos de penas de aves, de um azul-celeste, que lembram esmaltes, especialidade dos artistas cantonenses, coroados por mil figurinhas em gesso, em madeira, em prata, pintadas e arranjadas com arte e minúcia só chinesa.
Vão as corporações de ofícios, de criados de servir, de artistas, dos mainatas, dos bonzos, budistas, taoistas e confucionistas, que marcham ao som das músicas, agrupadas em torno de insígnias, estandartes, bandeiras e galhardetes farpados, matizados de ricos bordados  em cetim, em seda, em veludo, com os santos, heróis, guerreiros, figurados por rapazes vestidos à época dos Ming, cavalgando póneis ajaezados com fitas e flores."
(...)
Filipe Emílio Paiva. Um Marinheiro em Macau - 1903 - Álbum de Viagens. Museu Marítimo de Macau, 1997, p. 47-48.


Legenda: Foto Martha. Julho de 1903. Procissão china em Macau em honra de Kuang-Tai. Do lado direito, oficiais Hogan e Arnoso.
Filipe Emílio Paiva. Um Marinheiro em Macau - 1903 - Álbum deViagens
Museu Marítimo de Macau, 1997



Filipe Emílio Paiva (1871-1954), oficial da Armada e escritor, efectuou serviço em quase todas as possessões portuguesas, nomeadamente em Macau. Escreveu romances com o pseudónimo de Emílio de San Bruno, obtendo, em 1927, o primeiro prémio do Congresso de Literatura Colonial com o romance Zambeziana. Obteria o mesmo prémio, no ano seguinte, com o romance O Caso da Rua Volong, cuja acção se desenrola em Macau.

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